5 de Julho de 2007
Escrevi, na altura: "O António Pires chama-lhe a 'maior banda rock do mundo'. Entende-se perfeitamente o exagero e quase se toma por verdade absoluta o epíteto. É que daquelas três guitarras nas mãos dos Tinariwen brota energia que rebentaria com dezenas e dezenas de festivais de rock. Embora a guitarra eléctrica não fosse um instrumento comum entre os povos tuaregues, até há bem pouco tempo, já há algumas décadas que se ouve com frequência na música do Mali, do Senegal, das Guinés, dos Camarões, enfim, de toda a África Ocidental. E os blues, afinal, nasceram ali, nas margens do Níger. Mas estes antigos guerrilheiros da libertação tuaregue, contaminados pelas distorções que ouviam nos discos de rock nos campos militares líbios, fazem das suas guitarras autênticas armas, enquanto na sua língua procuram chamar a atenção para a história de opressão vivida por este ancestral povo nómada. Tal é o chamamento dos riffs e das escalas pentatónicas dos Tinariwen que o corpo, na melhor e mais característica qualidade do rock, se deixa levar imediatamente aos primeiros ritmos. Foi o que aconteceu, por exemplo, na noite de ontem, com a plateia do São Jorge Sauna Club a levantar-se logo desde os primeiros instantes e a entregar-se à torrente sónica que subia desde o palco. Nem o calor que a sala ultra-lotada e a inexistência de ar condicionado patrocinavam foi impeditivo para a celebração do maior ritual já alguma vez inventado pelo homem (ah, o 'concerto de rock'). As guitarras -- mais uma vez, é impossível fugir ao protagonismo delas --, apesar de apoiadas apenas num pobre djambé e num resistente baixista, mas também elas compensadoras da parte rítmica, foram enredando-se em padrões repetitivos -- não é quase sempre assim a melhor música popular, dos monges budistas aos LCD Soundsystem? -- os quais, como ondas, iam provocando impacto nos corpos e almas em redor. No final, ninguém os queria deixar ir embora e teve que haver um segundo encore, mesmo depois das luzes da sala terem acendido. Inesquecível."
32. PATTI SMITH @ COLISEU DOS RECREIOS
28 de Outubro de 2007
Relato de então: "Eu vi a Patti Smith chorar de alegria. Foi perto do final de 'Rock'n'Roll Nigger', já nos derradeiros instantes do concerto de ontem no Coliseu dos Recreios. Como é que uma mulher que carrega com as marcas amargas que a vida se lembrou de lhe trazer, com mais de 30 anos de carreira (com uma pausa prolongada pelo meio), consegue ainda ficar assim tocada por uma plateia? É certo que é uma plateia que a adora desde o início, aliás, mesmo antes do início. É certo que a empatia é mútua, com Patti Smith a elogiar a Lisboa bonita e independente dos Starbucks. Ou quando lembra a Lisboa que havia nos seus estudos, numa fase final da vida do seu marido Fred 'Sonic' Smith. Ou quando a aluna de Rimbaud decide dedicar uma música a Pessoa e, mais tarde, pôr este nos versos improvisados de 'Perfect Day', de Lou Reed. Mas aquelas lágrimas impossíveis de conter diziam tudo. Era o final de uma noite magnífica para todos. Para o público, para a senhora Smith, para a sua banda, onde ainda reina o seu guitarrista de longa data, Lenny Kaye, que aproveitou da melhor forma o descanso da cantora para puxar pelos acordes de 'Pushin' Too Hard', dos Seeds. Foi uma noite com muitos tributos, não sendo estranho o facto do último álbum de Smith ser justamente um álbum de covers. Deste, ouviu-se uma versão longa e entremeada com poemas de Smith de 'Are You Experienced?', de Jimi Hendrix, e 'Smells Like Teen Spirit', extropiado do pessimista 'how low' tal como na versão gravada em 'Twelve'. Mas também houve 'Gloria', 'Dancing Barefoot', 'Because the Night', 'People Have the Power' e outros clássicos da carreira de Patti Smith. Duas horas de concerto que puseram novos e velhos aos saltos, aos berros e, claro, com um enorme sorriso na cara no final de uma noite de domingo. Esta semana vai ser mais produtiva."
33. ALI FARKA TOURÉ & TOUMANI DIABATÉ @ ANFITEATRO KEIL DO AMARAL
22 de Julho de 2005
A presença de Ali Farka Touré em Lisboa era o acontecimento do ano. E, para tal, o magnífico anfiteatro do parque de Monsanto encheu-se de público. E se bastaria a guitarra de Ali Farka para já valer a pena, o que dizer da presença, entre outros músicos, do "dieu de la kora" (assim lhe chamava Ali Farka) Toumani Diabaté? Cerca de oito meses depois, um tumor ósseo venceria a luta que Ali Farka travou pela vida e a música africana ficava imensuravelmente mais pobre.
34. AMADOU & MARIAM @ FMM SINES
28 de Julho de 2005
Depois de Ali Farka Touré e de Toumani Diabaté, mais um grupo de excelência vindo do Mali, encabeçado pelo casal Amadou & Mariam. Beleza, ritmo e simpatia a rodos. Já cá voltaram noutras ocasiões e são sempre bem-vindos.
35. MUDHONEY @ CULTO CLUB
11 de Julho de 2007
O que escrevi, então: "Há mais de quinze anos que aguardava este concerto dos Mudhoney. Na altura, as cassettes rodavam que se fartavam no walkman, mas faltava o concerto. As descrições que ia lendo nos jornais ingleses, particularmente aquela inesquecível reportagem no NME a propósito do lamaçal de Reading em 1992, contribuiam ainda mais para cavar esta lacuna ontem preenchida, finalmente. De perto, nota-se que Mark Arm tem os olhos mais sumidos. Os traços faciais estão mais vincados. Enfim, está mais velho, como todos nós, mas isso não transparece naquela voz rouca e aguda. Continua perfeita. A presença em palco, e isso também é válido para todos os Mudhoney, quase engana quem não conheça a história do grupo. Parece que se formaram ontem, que estão a dar os primeiros concertos. E não fazem frete a tocar para duas ou três dezenas de pessoas, como se o tempo não tivesse passado. Mesmo quando os parceiros de berço Pearl Jam tocam hoje para multidões de estádio (há coisas que custam a entender na vida). Houve temas de todos os discos, de 'Superfuzz Bigmuff', de 1988, a 'Under a Billion Suns', de 2006. Ao longo de cerca de duas horas, não se ouviu 'Here Comes Sickness', mas deu para recordar coisas como 'You Got It (Keep It Outta My Face)', 'Touch Me I'm Sick', 'Suck You Dry', 'Burn it Clean' (alguém que me confirme se não estou a sonhar com esta), 'When Tomorrow Hits', o mais recente 'Where is the Future', ou ainda as versões de 'Hate the Police', dos Dicks, e 'Fix Me', dos Black Flag, com que terminou a noite. Há mais de quinze anos que eu esperava por este concerto. E é incrível como tanto tempo de expectativa acumulada não saiu dali defraudada, bem pelo contrário. (...)"
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