Tinha apenas 15 anos em Dezembro de 1988. Não podia ir à estreia ao vivo em palcos portugueses de Nick Cave e dos seus Bad Seeds. Mas, quatro anos depois, estava lá. No dia 3 de Setembro de 1992, eu e o J., cavemaníaco desde que o conheço, fomos para as Portas de Santo Antão bastante cedo, para sermos os primeiros a entrar e, quem sabe, ver algum dos artistas a chegar. E até assistimos, na verdade, à chegada do Blixa Bargeld, na companhia da sua excêntrica namorada de então. Voyeurismos de adolescentes. Assim que as portas junto à rampa abriram, desatámos a correr pela sala do Coliseu adentro (J., lembras-te do teu histórico trambolhão?). A primeira fila estava garantida. E não era uma primeira fila qualquer. Naquele tempo, não havia gradeamentos, não havia fosso a separar público e palco. Estávamos, literalmente, apoiados no palco. Algumas horas depois -- creio que não houve primeira parte -- as luzes apagaram-se e a ansiedade que sentíamos desde há alguns dias deu lugar a algo que mais se assemelhava a um estado de histeria. Num piscar de olhos, a banda estava em palco e o Nick Cave ali mesmo a um palmo de distância. E os seus sapatos de verniz prontos a pisar-nos a qualquer momento (ou a pontapear-nos, como nós nos recordávamos das imagens dos Birthday Party). Mais rápido ainda do que tinham aparecido em palco, atacaram logo o primeiro tema da noite, de uma forma que eu nunca mais me esquecerei. Era "Jack the Ripper". Começar assim um concerto, a toda a brida, não era algo a que estivesse propriamente habituado. E sempre que hoje vejo uma banda a começar um concerto desta forma, lembro-me desse momento ocorrido há quase 16 anos. Depois, ainda que esta fosse a digressão de apresentação de "Henry's Dream", seguiu-se "From Her to Eternity", do já quase distante primeiro álbum. Todo o Coliseu ficou, naturalmente, rendido desde o início. E o miúdo que eu era, pouco habituado ainda a rotinas de concertos de rock, estava ali a levar, praticamente de forma literal, com uma banda que deixava todo o suor em palco. Lá mais para o fim, no encore, houve ainda um motivo de orgulho juvenil para esse miúdo. Para lá de histérico, chamei por duas ou três vezes o Martyn Casey, baixista dos Bad Seeds e dos Triffids, para me dar a palheta com que tocava. Começaram a tocar, julgo, o "Black Betty" do Leadbelly. No final, a banda abandonou o palco para não mais regressar. Apenas Martyn Casey regressou, para me dar a palheta, que ainda hoje guardo junto do bilhete do concerto. Faz parte da minha cápsula do tempo, tal como estas memórias do que será provalmente o meu concerto favorito de sempre. Várias outras oportunidades houve para assistir aos Bad Seeds -- daí a dois anos, no mesmo local; no Porto, por ocasião do Festival Imperial; já nesta década, novamente no Coliseu dos Recreios; etc. -- mas nenhum espectáculo foi para mim tão importante como este de 1992. E houve alturas até que o entusiasmo pelo trabalho de estúdio de Nick Cave e dos Bad Seeds esmoreceu, principalmente desde "The Boatman's Call". Mas "Dig, Lazarus, Dig!!!" (e "Grinderman", no projecto paralelo do ano passado) é sinónimo, entre os senhores que governam o meu pavilhão auditivo, de redenção (abençoado sejas, Warren Ellis, por voltares a conduzir o mestre pelos bons caminhos). E o filho pródigo regressa hoje ao Coliseu. E a ansiedade também.
(Imagem do bilhete de 1992 gentilmente roubada ao site com bilhetes de concertos do José Polido.)
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