segunda-feira, 27 de outubro de 2003

Regresso ao passado #5: Melleril de Nembutal

Esta recordação de um dos mais obscuros grupos que Lisboa viu nascer nos anos 80 tem uma razão especial de acontecer. A culpa é dos Animal Collective e da minha amiga Raquel Pinheiro, que se lembrou dos Melleril de Nembutal no concerto dos norte-americanos, este último fim-de-semana, no Númerofestival. E, bem vistas as coisas, a comparação faz todo o sentido.

Os Melleril de Nembutal conseguiram o Prémio de Originalidade do IV Concurso de Música Moderna do Rock Rendez-Vous, que em edições anteriores tinha atribuído igual distinção a Mler Ife Dada, Pop Dell'Arte e Mão Morta. Da sua formação fazia parte, e espero não estar enganado, embora não tenha certeza quanto a isso, Miguel Santos, que foi durante tempos jornalista do Blitz, que mais tarde teria um projecto pessoal não muito diferente dos Melleril, chamado Hesskhé Yadalanah, e que, actualmente, trabalha na secção londrina da Fundação Calouste Gulbenkian (por esta altura realiza mais um festival de música portuguesa por aquelas paragens).

Na primeira vez que os viu, numa noite do Rock Rendez-Vous, em Dezembro de 86, na qual também tocaram Mão Morta e Rongwrong, o jornalista do Blitz António Pires descreveu os Melleril de Nembutal assim:
«Os Melleril de Nembutal (banda que deve ir buscar o nome a um produto híbrido de comprimidos para a dor de dentes e um qualquer descendente do Australopithecus Afarensis) tiveram a sorte ingrata de abrir uma noite destinada a visitas importantes naquela casa e cumpriram o seu papel: comportaram-se como putos traquinas, puseram o dedo no nariz, partiram a loiça, queixaram-se publicamente da mãe. Bem, agora a falar a sério (se seriedade é uma palavra que se pode aplicar neste caso) -- as canções dos Melleril demonstram a fragilidade técnica da banda, um muito fraco domínio dos instrumentos, mas mostram também que há ali bastante mármore de qualidade que com duas ou três marteladas e meia polidela pode dar uma bela estátua de N. Sra. das Dores. A sua música, conduzida por dois vocalistas incrivelmente kitsch e divertidos (um traz vestido um guarda-roupa completo de ceifeira alentejana e o outro apenas uns collants rendilhados), vai beber directamente à Tradição portuguesa, tanto em termos musicais como líricos, as suas referências -- o Alentejo (Janita Salomé possivelmente soaria assim se tivesse menos 20 anos), os cantos árabes, os ritmos tribais que até nem aparecem por acaso, visto alguns dos membros já terem tocado com Farinha -- juntam-se aos símbolos maiores do nosso país (os cultos católicos, a presença obsessiva da Mãe, a possessão demoníaca) para dar aos Melleril um som muito próprio e bastante prometedor.»

Como é hábito nesta rubrica, aqui fica um tema, em mp3, para ouvir: "Mamã". (Lembrem-se: como o espaço não é muito, o mp3 só pode estar disponível para download até ao próximo "Regresso ao passado", que deverá acontecer daqui a duas ou três semanas.)

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