Tatit - Volta a participação dos professores, não é? É, é. Esse disco último ["Jogos de Armar"] foi dedicado aos professores por isso, não é? Porque Belmira me salvou a vida; e o professor Artur, na escola primária. Eu, numa casa bastante porão, no sentido de que tudo era escuro, o mundo não tinha esperança e tal, aquelas brigas eternas, aquele negócio terrível, aí o professor Artur falava em primavera nossa, como aquilo era delicioso! E sol, o sol é uma coisa... Aí tinha uma canção que eu me admirava, a "Canção da Árvore". Dizia assim: "O sol de dezembro lhe dá seu calor". Eu me perguntava como é que o sol dá seu calor. O sol mata as plantas de calor. Nasci vendo as plantas morrerem, o fumo não crescer, aquela situação, a cidade em miséria porque o sol acabava com tudo; mas tinha lá, do mundo civilizado: "O sol de dezembro lhe dá seu calor".
E tudo isso que ele falava de primavera, isso me encheu de luz, professor Artur, que santa coisa aquele homem lá. Um homem positivo.
No dia de eu fazer a minha prova final de aritmética, ele me fez um negócio maravilhoso. Me disse assim: "Vou fazer uma questão para você, que você não conhece o assunto..." -agora, por que ele foi fazer logo comigo, isso é que é incrível, meu Deus-, "mas, pelo que já aprendeu, você pode deduzir. Se acertar eu aumento sua nota; se errar, não diminuo. Você aceita?". Eu falei: "Aceito". Sabia que tinha passado e tal. "Aceita? Aceito."
Tatit - Não tinha nada a perder.
Lá sei eu... Pelo menos raciocinei, tive coragem. Ele deu o problema, realmente resolvi, uma coisa simples, boba. Ele aí me gabou muito. Isso foi durante muito tempo... O professor Artur me sustentava aqui com essa coisa de dizer que eu era inteligente.
Tanto que um dia eu tive uma prova de que a cabeça podia me tirar da desgraça. Carreguei isso comigo por anos. Foi assim: eu estava jogando bola. Era proibido de tomar chuvisco e de jogar bola. E estava jogando, na rua da Quixabeira. Minha mãe, olhando de certa janela lá de casa, via parte dessa rua. Eu estava no campo de visão dela num momento em que estava chuviscando e ela me viu. Aí ouvi, porque a gente ouvia de longe: "Antônio José!"
Nestrovski - Dois crimes: jogando bola e na chuva.
A chuva, então! Para a asma... Minha mãe achava que a asma era a chuva, a chuva era a tuberculose, eram os parentes de meu pai que estavam querendo me tuberculizar e tal. Muito bem. Então pensei: "Meu Deus, vou apanhar". Me encostei escondido na parede e tive a idéia: olhei os meninos e escolhi o que mais se parecia comigo. Mandei ele vestir meu calção, botei a boina (aquela boina antiga de jogador de futebol) e disse: "Carlito, desça e passe na rua de baixo, mas você tem que fazer minha mãe o ver". Tinha uma festa de rua, todo mundo estava na janela. Carlito foi inteligente, passou várias vezes. Quando entrei em casa, veio a solução maravilhosa. "Já estava preparando o cipó para lhe dar uma surra", falou minha mãe, "quando vi o menino que eu pensei que era você passando aqui". Ah, nesse dia, eu disse: "Estou salvo, tem uma coisa aqui na cabeça que pode me salvar". Minha mãe falou exatamente o que eu precisava ouvir. Nossa! Como eu fiquei com fé, com esperança.
(continua)
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