domingo, 13 de julho de 2008

Das palavras, das guitarras e das idades

Singing words, words
Between the lines of age
Words, words
Between the lines of age

Neil Young, in "Words (Between the Lines of Age)"

A juventude é uma dádiva da natureza, mas a idade é uma obra de arte.
Stanislau Jerzy Lec (poeta polaco)

Há uma altura que nas telas laterais se agigantam duas mãos marcadas pela idade. Os dedos de Ben Keith, esculpidos com a rugosidade do tronco de um carvalho, dançam sobre a steel guitar durante "Words (Between the Lines of Age)", a canção que encerra "Harvest". Por sinal, é o primeiro álbum em que trabalhou, já lá vão 36 anos, com o homem que no centro do palco capta todas as atenções, Neil Young. De cabelo ralo e quase inteiramente branco, o homem transpira enquanto se lança a mais um acto de amor com uma das várias guitarras que trouxe consigo. Do lado de cá, novos e velhos cantam os temas de cor com um brilho nos olhos, com esgares de admiração ou apenas um sorriso largo que teima em ficar durante horas, como prova da experiência sónica e emocional que todos ali partilham. Não é uma banda nova que promete vir a revolucionar a música e que provavelmente estará esquecida daqui a poucos anos. E também não é (só) uma lenda que está ali em palco. É, genuinamente, um músico vivo e transbordante de energia que, à frente da sua banda, mostra, quase como se fosse a primeira vez que o fizesse, uma pequena parte de um reportório tão rico que devia ser património mundial da UNESCO. E, por falar em reportório, volte-se a "Harvest", o álbum mais vendido nos EUA durante o ano de 1972, para se dizer que foi daqui que saíram a maior parte das canções desta noite, como "Heart of Gold", "Old Man", "The Needle and the Damage Done" ou o já citado "Words". Houve pulos com a electricidade de "Keep On Rockin' in a Free World" imediatamente seguidos da introspecção acústica da versão belíssima de "Oh Lonesome Me", que Young gravou em 1970. Houve momentos a solo, ou perto disso, como em "Mother Earth (Natural Anthem)", com Young a tocar harmónica e um orgão de tubos ao fundo do palco nesta versão pró-ecologia da ancestral canção folk escocesa "The Water is Wide", ou como em "The Needle and the Damage Done". Houve temas especialmente alongados, como foi o caso de "No Hidden Path", o segundo dos dois temas do recente "Chrome Dreams II", com Young numa relação tremendamente sedutora e irresistível com a guitarra, a trazer à lembrança o convite que há 17 anos dirigiu aos seus eleitos Sonic Youth para com ele andarem em digressão. E houve, claro, a prometida versão de "A Day in the Life", a última do "Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band" e a última deste espectáculo. Até pareceu que Lennon e McCartney a escreveram de propósito para Neil Young.
Iria parecer estranho ler de alguém que já leva duas décadas de experiência enquanto espectador, mais de um milhar de concertos na memória (ou nos arredores desta), que este foi o concerto da sua vida. Mas... acreditem que dá vontade de o dizer. Fica o alinhamento da noite, numa escolha que, surpreendemente, acabou por ter inúmeras diferenças face a espectáculos recentes da actual digressão:

Love and Only Love
Powder Finger
Spirit Road
Cortez the Killer
Keep on Rockin' in a Free World
Oh Lonesome Me
Mother Earth
Needle and the Damage Done
Unknown Legend
Heart of Gold
Old Man
Get Back to the Country
Words (Between the Lines of Age)
No Hidden Path
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A Day in the Life

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