quarta-feira, 2 de julho de 2008

O fim da world music tal como a conhecemos?

Esta questão decorre de uma conversa ocasional com o director artístico do FMM Sines. Para onde vai a world music? Falamos na mesma coisa quando falamos de world music hoje ou como quando falávamos há 10 anos? E como será daqui a outros tantos? Continuaremos a colocar eventos magníficos como o FMM e o MED (oxalá resistam à passagem do tempo!) na categoria da world music?

Nos anos 80, as lojas de discos introduziram nos escaparates a secção da world music, a partir de um termo originalmente usado pelo etnomusicólogo Robert E. Brown (o primeiro grande divulgador das tradições indonésias do gamelão), para ali disporem tudo o que não fosse produção não ocidental. O interesse crescente do público e dos próprios músicos ocidentais, foi aproveitado pelo mercado e a especialização tornou-se uma realidade viável: nasceram as publicações, as editoras europeias e americanas, as lojas, os festivais, etc. Tal como jazz ou no heavy metal, por exemplo, havia um nicho do mercado que sustentava a especialização.

Hoje, o retrato que se tira à cena das músicas do mundo é diferente. A especialização deixou de ser assim tão clara como era há dez anos. Os públicos, os festivais, as publicações, as lojas, as editoras e os próprios músicos demonstram ser cada vez mais heterogéneos. E no que antes era dedicado apenas ao rock, à música nova ocidental, o mesmo se sucede. A secção da loja de discos está cada vez mais diluída pelas restantes e vice-versa.

Talvez a principal razão para esta evolução se deva à desfragmentação ou liberalização, se assim lhe quisermos chamar, do mercado da música, tal como proporcionada pela internet. A instituição de uma rede social com grande impacto na divulgação da música como o myspace.com ou a generalização do download gratuito de todo o tipo de música, trouxe uma nítida alteração nos comportamentos de todos os agentes envolvidos neste negócio, desde a origem, os músicos, até ao destino, os ouvintes. E se o mercado discográfico quase pede a extrema unção, o mercado dos espectáculos cresce a olhos vistos, o que explica que haja cada vez mais bandas a aparecer, cada vez mais digressões, cada vez mais festivais, cada vez mais promotores, cada vez mais público. Seja no rock, seja nas músicas do mundo. E este crescimento rápido em todas direcções estéticas está a trazer consequências para as antigas fronteiras de géneros e de mercados específicos. O fim do mainstream, de que tanto se fala, encontra o reflexo na diluição dos nichos.

Veja-se o caso dos festivais. Em Portugal, o MED trouxe este ano a lenda da soul Solomon Burke e os belgas Zita Swoon, dois nomes que dificilmente entrariam no clube fechado da world music de há dez anos. O FMM traz nomes como os Last Poets, o Nortec Collective ou os Firewater. Em Inglaterra, o Womad de Charlton Park apresenta o regresso dos Chic (sim, os do disco dance dos anos 70) e o Roni Size no cartaz. Nos festivais de rock é também cada vez mais frequente encontrar por lá artistas associados às músicas do mundo. O Sudoeste, por exemplo, tem feito aposta todos os anos no reggae. Os Gogol Bordello tocaram em 2007 no FMM, mas também em Paredes de Coura, e este ano regressam para o Alive. No fim-de-semana que passou, Glastonbury teve um palco que contou com Rachel Unthank, Justin Adams & Juldeh Camara (tocam ambos no FMM deste ano), Balkan Beat Box (estiveram no MED), etc.

Veja-se os músicos. Os Balkan Beat Box, por exemplo, que levam os Balcãs para a pista de dança. Os Extra Golden, que hoje tocam na ZDB, que promovem um encontro entre o rock e a música benga queniana. Os israelitas Boom Pam, que metem no mesmo saco o klezmer, a música cigana e as guitarras surf do rock'n'roll dos anos 60. Os Vampire Weekend que recuperam o legado deixado por Paul Simon em "Graceland", um exemplo perfeito de outra era de como a mestiçagem pode produzir excelentes resultados. O caso de Beirut ou do amigo Hawk and a Hacksaw, que transportam para a sua visão ocidental elementos que outrora faziam apenas parte da cena da world music. Os exemplos são infindáveis.

Veja-se o público. O castelo e toda a cidade de Sines enche-se de gente das mais diversas idades, das mais diversas "tribos", no último fim-de-semana de Julho. Os Tinariwen esgotam numa hora ou pouco mais o São Jorge, com um público que não é apenas o público da world music, no conceito que tínhamos até aqui. O público típico dos festivais de rock, outrora mais fechado e mais preconceituoso, ouve com mais respeito a "contaminação" das músicas do mundo.

Veja-se as publicações. Já repararam como, em publicações mais generalistas, já não se chuta um artigo sobre um qualquer artista do Mali para a secção das músicas do mundo? E que já não é sempre o mesmo especialista a assinar esses artigos?

Daqui a dez anos, estará tudo definitivamente diluído?

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