sábado, 6 de novembro de 2004

A dança das entranhas

Devastador. Depois das armas não convencionais, depois das armas químicas, teremos, um dia destes, alguém do outro lado do Atlântico a exigir que a Finlândia (*) entregue o seu arsenal de armamento sonoro, onde a mais destruidora peça de artilharia são os Pan Sonic, que ontem fizeram parada militar no Lux, por ocasião do Número Festival 2005. A sala começou por se ir esvaziando progressivamente até cerca de um terço da sua lotação, processo que coincidiu mais ou menos com os momentos em que os Pan Sonic estavam, se o adjectivo é permitido neste contexto, mais calmos, ou então, se quisermos, mais ambientais e menos rítmicos. Mas, depois, à medida que a música vinda da cabine onde habitualmente os DJs trabalham (foi a sorte dos Pan Sonic... terem tocado com o débil PA do palco, como estava previsto, seria inglório) começou a ganhar contornos mais violentos, mais opressores, mais pá-tenho-o-corpo-todo-a-tremer, o espaço foi enchendo.
A música do duo finlandês é uma viagem. Não daquelas viagens que um jornalista, quando não tem nada de mais interessante para dizer, gosta de colocar nas suas reportagens. Acha que fica poético, que evoca Corto Maltese ou Sinbad, o Marinheiro, mas não é de todo esse o caso dos Pan Sonic. A viagem a que me refiro é feita com os braços e pernas presos à parte de baixo de um comboio, e os dormentes de madeira passam muito mais rapidamente que as do genérico do "Europa", do Lars von Trier, mas não deixam por isso de ser igualmente hipnotizantes. E se há música para o espírito e outra para bater o pé, a dos Pan Sonic só pode ser para a dança das entranhas. De cada vez que Ilpo Väisänen rodava um potenciómetro de ruído, o pâncreas deslocava-se um centímetro e meio para o lado. Quando Mika Vainio puxava um ritmo grave, daqueles próximos do limite inferior das frequências escutáveis pelo ouvido humano, o estômago palpitava com mais paixão que o coração...
Foi, provavelmente, a melhor das três prestações que os Pan Sonic já fizeram no nosso país. Só assim, se pôde sair ontem da atribulada noite do Número (os atrasos do costume, os problemas técnicos do costume) com um largo sorriso na cara. É que as propostas anteriores (à excepção dos Bulllet, que não tive oportunidade de ver), foram todas elas demasiado fraquinhas.
Pan Sonic (9/10)
Mira Calix (como dj) (7/10)
Dani Sicilianno (5/10)
Juana Molina (5,5/10)

(*) Não vale a pena invadir a Finlândia, no entanto, caros senhores da guerra. Há anos que estes dois suspeitos não habitam aquela região.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Os comentários antigos, da haloscan/echo, desapareceram. Estão por isso de regresso estes comentários do blogger/google.