A decadência da indústria discográfica
As editoras vendem cada vez menos. Diz-se até que há discos no top 30 português a vender dezoito unidades por semana...
As novas gerações dão cada vez menos importância à posse do objecto original. Afinal, compreende-se que, se se pode ouvir a mesma música numa duplicação em CD-R ou descarregá-lo "gratuitamente" da Internet, porque não poupar dinheiro e comprar antes aquelas calças, aquele telemóvel, começar a pagar um carro ou uma casa ou até mesmo ir àqueles concertos que se avizinham?
A desmaterialização
Paralelamente, a indústria já deu conta da desmaterialização do negócio e prepara-se para tentar acompanhar a mudança. Já quase todas as majors estrearam os seus sistemas digitais, com algum sucesso, ao que parece, nos EUA. Florescem os Starbucks e clubes nocturnos com ligações para iPods, as tais fonotecas portáteis que, lá fora, são mais publicitados que as próprias aparelhagens áudio. Por cá, nas lojas VC e FNAC, estreiam-se novos processos de compra de música: o cliente paga um determinado valor e descarrega os mp3 directamente para um CD ou, eventualmente, para o seu iPod. Nas maioria das rádios portuguesas, já há algum tempo que só se trabalha com mp3. O projecto Radionetics, estreado há poucas semanas, tira partido da facilidade de distribuição do mp3 para juntar editoras e rádios locais de todo o país. Já a partir do próximo ano, os jornalistas vão passar a receber das grandes editoras passwords para poderem descarregar um novo álbum, desaparecendo assim o habitual promo. Perante isto, não custa dar crédito aos estudos que apontam o fim do CD para daqui a alguns anos.
Sendo certa, portanto, a via da digitalização, ainda há que tentar perceber se esta pode ser ou não a prancha de salvação das editoras, das lojas e, claro, da própria música gravada enquanto bem transaccionável. Eu acredito que não, conforme referia ao início, por uma razão máxima: a via digital oferece a possibilidade de cópia perfeita do produto que pode depois ser trocado livremente. Por mais protecções e criptografias que os técnicos ao serviço das grandes editoras inventem para impedir a cópia não autorizada dos mp3s em causa, surgirá sempre, mais depressa do que um piscar de olhos, a forma de quebrar o bloqueio, de promover a fuga desse mp3 ao circuito comercial e de dar início à rápida multiplicação da música por centenas, milhares e milhões de lares em todo o mundo. A tecnologia está cada vez mais perto das pessoas e as novas gerações têm cada vez maior facilidade e propensão em aderir a qualquer sistema de partilha de ficheiros. A rapidez das ligações tende a aumentar, o que permite o descarregamento de ficheiros cada vez maiores (menos comprimidos, portanto) a uma velocidade progressivamente menor. Acredito que, daqui a uns dez anos, será tão fácil e tão gratuito (não contando, obviamente, com os custos de acesso à Internet) descarregar a nova música do nosso artista preferido como é hoje, por exemplo, ligar o autorádio do carro para ouvir a informação do trânsito.
Parte da indústria, em termos mais globais, já tem, no entanto, consciência disto e sabe também que, aconteça o que acontecer, ficará sempre a ganhar. As majors, por exemplo, não passam hoje de meros departamentos pouco rentáveis de grandes grupos que controlam áreas de negócio diversas, como por exemplo, o do acesso à Internet ou o do fabrico de iPods e outros tipos de suportes "virgens" (CD-Rs, DVD-Rs, etc.). É preciso dizer mais?
Os concertos
E os artistas? A "estrada" poderá, essa sim, ser a sua grande prancha de salvação, como aliás já vinha a ser para a maioria das bandas. O concerto é, ao contrário dos discos, irreproduzível. Pode-se gravar um concerto, claro, mas dificilmente se conseguirá reproduzir fielmente a sensação de se estar no meio de uma plateia: pedir um encore; mandar bocas aos artistas; avisar ao parceiro do lado que caiu o jack do guitarrista e que este, tolo, não deu conta; apreciar a assistência feminina (ou masculina, conforme o caso); entornar sem querer uma imperial nas costas do tipo que está à frente; levar com um empurrão de outro que está aflito para ir à casa-de-banho ou, claro, ouvir e ver a música a ser feita no momento.
Na verdade, se as vendas dos discos têm caído como futebolistas portugueses assim que entram na grande área, os números relativos aos concertos têm disparado. Por cá, vemos que, de ano para ano, aumenta o número de propostas, dos grandes festivais aos concertos mais underground, e que, continua a haver público para, pelo menos, fazer grandes salas. A nível global, há um recorde de receitas de grandes digressões (como aquelas dos Rolling Stones ou dos U2) que é batido quase todos os anos.
As independentes também já começaram a perceber as mudanças que estão a ocorrer. Cada vez mais se vê editoras como a Sub Pop, a Warp ou a Constellation, só para dar três exemplos, a trabalharem não só na edição de um disco, mas também no acompanhamento do artista na programação das suas digressões.
São tempos de mudança, mas esta não vai ocorrer esta noite, no fim do mês ou na próxima lua cheia. É, acima de tudo, um processo que se desenvolverá ao longo dos próximos anos.