quarta-feira, 14 de março de 2012

Perfume de espírito adolescente

Thurston Moore nunca deixou de ser este miúdo empertigado, que muitos ainda tentam imitar (sem sucesso). Prefiro pensar que não reparamos nisso porque ele já passou dos 50. Afinal, o Neil Young já vai nos 66, o Tom Zé nos 75... e continuam a rockar tanto ou mais. Não será porque as rugas que lhe caem pelo rosto abaixo se escondam nos esgares que faz quando puxa a voz uma oitava acima do que é normal. Algo estaria completamente errado em tudo isto se a idade e as rugas de quem pisa um palco nos levasse a tomar de outros ângulos de visão aquilo que nos é partilhado ao vivo. Prefiro então pensar que é justamente porque somos levados rapidamente a esquecer tais detalhes, com toda a naturalidade deste mundo, e a julgá-lo como o tal miúdo empertigado (e sobredotado) que ali aparece com a sua nova banda. Miúdo que dizia, entre as muitas ocasiões em que se dirigiu ao público que a banda e o próximo álbum se chamariam Chelsea Light Moving, o nome da empresa de mudanças que o compositor Philip Glass criou nos anos 50 para garantir o rendimento que a música não lhe dava (e por onde passou também outro minimalista dos grandes, Steve Reich). Foram muitas, aliás, as ocasiões em que Moore trocou palavras com o público, atirou piadas, pediu e ofereceu cerveja. Uma surpresa nesta noite. Já vi Sonic Youth ao vivo mais de uma meia dúzia de vezes e raramente o vi usar o microfone para outra coisa que não fosse cantar ou lançar o mote inicial "We're Sonic Youth and we come from New York City". Parece que o miúdo ficou (ou voltou a ficar) apaixonado por Lisboa e que cá voltará para o fim do ano, para passar algum tempo de qualidade (alguém lhe faça um arranjinho com uma portuguesa!).
O espetáculo íntimo de ontem -- para pouco mais de 150 pessoas no aquário da ZDB, apenas sócios da galeria -- foi dividido em duas partes. Na primeira, a banda atacou números do próximo álbum, que já vão num estado além do bruto, ainda que ali faltem, esperando-se que seja essa a ideia, as vozes. O mais provável é que não voltemos a ter um álbum novo de Sonic Youth, mas a avaliar por esta amostra de ontem, aquilo que habitualmente esperávamos deles, ou pelo menos naquelas composições creditadas a Moore, vamos facilmente encontrar neste tal de "Chelsea Light Moving". Na segunda parte, para a qual Moore havia prometido "oldies", a banda pôs-se a desfilar tema de "Psychic Hearts", disco que já leva com quase 20 anos em cima: "Feathers", "Cindy (Rotten Tanx)", "Pretty Bad", "See-Through Playmate", "Ono Soul" (uma versão magistralmente intercalada com a torrente de guitarras distorcidas e em feedback a que já estávamos habituados nos SY, e a que a própria banda chamava "hurricane"), "Staring Statues". E ainda houve muito mais, de outros discos. Não houve guitarra acústica, como os últimos álbuns a solo de Moore davam a entender que pudesse acontecer. Ao longo de toda a noite, Thurston Moore empunhou sempre a sua jazzmaster, em duelo com a distorção alta da guitarra de Keith Wood. O violino de Samara Lubelski encaixou-se sempre muito bem e a bateria de John Moloney esteve, na maior parte das ocasiões, escondida atrás do barulho das guitarras e deu até para sentir vontade de ali ter o Steve Shelley. Foi talvez o único defeito a apontar à noite de ontem.
Descobri esta semana que há uma corrente na arquitetura ocidental do século XX designada por "brutalismo", o que me oferece o pretexto científico ideal para terminar com uma frase outrora banal nestas coisas da música: foi BRUTAL.

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