domingo, 7 de setembro de 2003

Sol de Domingo

À semelhança do que acontece em muitas outras áreas de negócio deste país, o meio musical local vê-se enjeitado por uma notável inexistência de relacionamento. Primeiro, os músicos mal se conhecem uns aos outros. Não discutem entre si os problemas que os afectam em conjunto. Não têm, pelo menos em Lisboa, um espaço onde possam tocar com frequência ou onde se encontrem para beber uma cerveja e, realce-se, falar, trocar experiências. Até mesmo criar, quem sabe, as famosas "cenas locais". Segundo, à excepção de uma publicação (o DN+), não se pode dizer que existam propriamente editoriais sobre música nos jornais portugueses. E, ao contrário do que acontecia há anos atrás, tem sido raro encontrar-se nas páginas dos jornais os encontros de músicos ou outros agentes do meio para discutir as temáticas mais importantes da indústria em que se inserem (excepção feita ao notável trabalho do Blitz a respeito da aclamada "crise da música portuguesa"). Terceiro, uma editora evita sempre misturar o seu nome com as suas concorrentes (diz, por exemplo, quem tenta fazer, a custo, uma compilação de artistas provenientes de diferentes "casas"). Quarto, é raríssimo haver conferências públicas de abordagem de temas como a importância da imprensa musical nacional nos dias de hoje, o relevo da pirataria em Portugal ou o preço dos CDs nas lojas. Se muitas das vezes nem os próprios agentes do meio dominam na globalidade os temas que, de certa forma, os afectam no dia-a-dia, o que dizer do público em geral? Na maior parte das vezes, nem imaginará a situação de crise que a indústria musical atravessa.
Em relação ao quarto ponto anterior (os debates públicos), a associação 100 Ideias decidiu meter mãos à obra e organizar um ciclo de debates integrado no festival New Sounds from Portugal, que a mesma associação está a levar a cabo em Cascais (começou ontem e vai até ao final do mês -- o calendário de concertos, debates e demonstrações está disponível numa posta mais abaixo). É, conforme disse, uma ocasião rara, que traz à memória os prestimosos debates que todos os anos, por altura do festival SBSR, o casal António Sérgio e Ana Cristina têm vindo a realizar. Fora esses, poucas mais exemplos são vistos no panorama nacional.
Fui convidado há poucos dias para moderar o debate de hoje, o primeiro, em virtude da impossibilidade do Nuno Galopim poder dar a sua ajuda. "Vou pois. Agrada-me a ideia." Foi isso que deverá também ter respondido à organização o Rodrigo Cardoso, responsável pela editora Bor Land, que ultimamente tem dado a conhecer os nomes Alla Pollaca (onde ele também toca), Old Jerusalem, In Her Space, Bildmeister, Norton, entre muitos outros, entre muitas outras edições. Não sei o que os outros convidados terão então respondido, mas, segundo a organização, tanto o Nuno Gonçalves, dos Gift, como o Tozé Brito, da Universal, ou o Francisco Silva, da FNAC Cascais, estavam todos eles confirmados para aparecerem hoje no Centro Cultural de Cascais. Mas a verdade é que não apareceram mesmo e nem sequer se dignaram -- uma vez mais segundo a 100 Ideias -- a dar qualquer satisfação. Resumindo, o debate (sobre o preço alto a que a música é hoje vendida) não aconteceu.
É verdade que, apesar do empenho da organização, o público não acorreu em massa. É verdade que, dadas tais circunstâncias, o debate, a acontecer, nunca iria produzir grandes mais valias de conhecimento, a não ser nas poucas pessoas que ali estavam, a contar com os próprios oradores. Concordo em absoluto que alguns dos convidados terão coisas mais importantes para fazer numa tarde ensolarada de Domingo do que enfiar-se num pátio fechado (triste ideia do arquitecto ou do dono do espaço) do Centro Cultural de Cascais. Mas, e a confiar, sublinhe-se, nas palavras da organização, confirmar a presença e depois não aparecer é pouco ético, tanto mais neste meio, como dizia ao início, onde a falta de relacionamento é já tanta.

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