É uma imagem pertinente. Não me espanta nada que com o avanço da bioquímica e da tecnologia em geral se possa chegar a um estado destes. No campo das imagens, por exemplo, sabemos que a intermitência cadenciada de luz produz efeitos nada negligenciáveis naqueles que a vêem. Ainda na noite anterior ao debate, no concerto para filmes de Lee Ranaldo, João Paulo Feliciano advertia eventuais epilécticos presentes na sala do S. Jorge para o risco que poderia constituir a curta-metragem "The Flicker", que não era mais do que meia hora de flashes de luz branca. Desde a altura que "The Flicker" foi realizado (falha-me a memória, mas talvez anos 40), muito já se avançou neste campo. Imagens subliminais, terapias de choque através de imagens, etc., são termos a que nos fomos habituando. Ao mesmo tempo, e voltando à música, vamos ouvindo falar que muitos dos grandes êxitos mainstream são minuciosamente produzidos, com base em hipotéticos estudos, para que esta ou aquela frequência, esta ou aquela sequência de notas, agradem ao maior número de pessoas.
Por mais pertinente que seja esta ideia dos efeitos bioquímicos dos sons, estaremos sempre a falar de algo que é apenas, afinal, uma das muitas faces da música. Isto é, a música não pode ser reduzida ao estímulo sensorial. Como forma de expressão, a música é pluridimensional e encerra em si muitos mais atributos do que um encadeamento de frequências e volumes. Para começar, a música é indissociável do contexto em que foi produzida, por um lado, e do contexto em que é ouvida, por outro. Beethoven não faria hoje o mesmo tipo de sinfonias. Pelo lado do ouvinte, não podemos ter pretensões de ter as mesmas sensações a ouvir as primeiras canções dos Rolling Stones como os nossos pais ou avós tiveram há quarenta anos. A música tem tempo, tem espaço, tem relevo social e relevo cultural. Mais importante ainda, talvez, cada ouvido é diferente de outro ouvido.
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