sexta-feira, 21 de outubro de 2005

O acontecimento

Um acontecimento como o de ontem é inesquecível. Pelo exercício da improvisação, pela soberania da criatividade, a ZDB conseguiu ao longo destes onze anos fazer aquilo a que sempre se propôs, mostrar arte nas suas mais diversas formas, sem cansar, sem se tornar previsível, sem dar hipóteses a que alguém, por mais empedernido que seja, diga "antigamente é que era". Não, agora é que é, e a noite de ontem não podia ser melhor evidência.
Essa tal noite começou com uma pequena surpresa. O concerto já não ia ser no cacilheiro, mas sim num espaço qualquer, algures do outro lado do rio. Depois das avarias ocorridas em dois cacilheiros, a organização preferiu não fazer o concerto no terceiro navio colocado à disposição, um ferry com poucas condições, onde quase não cabiam as várias centenas de pessoas que ontem apareceram no terminal do Cais do Sodré. Havendo, como se sabe, males que vêm por bem, a mudança de planos proporcionou assim a utilização de um magnífico local, o antigo Clube Naval, pavilhão decrépito à beira-rio (será aquele o espaço que os responsáveis do Hard Club de Gaia andaram a sondar há tempos?), a poucos metros do Espaço Ginjal. A experiência já estava a deixar marcas indeléveis na nossa memória e ainda estavam para vir os Animal Collective, depois do aquecimento com a chinfrineira de Anla Curtis. E as expectativas viriam a ser ultrapassadas.
Talvez se perceba isto de melhor forma num concerto do que em disco: os Animal Collective são um corpo único, uma unidade orgânica completamente solidária nas suas partes, onde tudo faz sentido quando interage. Por mais fútil que possam parecer quando examinados à parte, aquele grito sincopado, aquele eco do timbalão, aquela voz proibidamente carregada de delay, só para citar alguns dos milhares de ingredientes que esta receita usa, fundem-se em algo que singulariza em absoluto o som dos Animal Collective. É nestes termos que se desenvolve o concerto. Como uma criatura viva, o som que é criado no palco, desenvolve-se, ganha diversas formas ao longo do processo: pequenas, redondas e singelas estimulam o espírito; grandes, fortes e crispadas fazem o corpo dançar. E sem pausas, promovendo a evolução ininterrupta destas diversas formas e dos diferentes temas apresentados, vários deles novos. E quando o corpo assumiu a forma de "Grass" (de "Feels", o novo álbum)? Lamento, mas receio que seja impossível de descrever esse momento em poucas palavras...
Longa vida para a ZDB.

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