(Fotografia João Gonçalves)
"Sines seria perfeita se o ano tivesse duas semanas: uma de Festival e uma para descansar", lia-se na tabacaria do largo dos Correios (assim o diz a minha amiga Arlinda). Acabou a 11ª edição do FMM e agora há que voltar à normalidade dos dias, à neura da espera.
Depois da "manga" por Porto Covo, depois dos dois dias de calma com concertos no Centro de Artes, a festa regressou ao castelo e à praia, onde se pôde assistir a momentos inesquecíveis:
No topo dos topos, o espectáculo "Pau na Mula", de Cyro Baptista e da sua companhia de percussionistas, que conquistou facilmente o público com a irreverência, algures a meio caminho entre Tom Zé e Hermeto Pascoal (dois compatriotas igualmente chanfrados que pisaram aquele mesmo palco) e o virtuosismo dos músicos. As partes do sapateado, por Nicholas Young, por exemplo, devem ter sido a coisa mais fora de comum e mais eficiente que já se viu neste festival. Também pouco usual (se é que alguma vez aconteceu) foi a exigência bem sucedida do público para um segundo encore. Mesmo depois do encerramento do palco pela voz do Mestre de Cerimónias Mário Dias, o público continuou a entoar a frase melódica com que tinha literalmente participado no tema anterior, a pedido de Cyro Baptista, e a festa voltou.
No último dia do FMM, as atenções, claro, estiveram voltadas para Lee 'Scratch' Perry. No backstage, o clima era de um alvoroço nunca visto, com toda a gente à espera da chegada da lenda do dub, que aconteceu minutos antes do concerto. Do lado da plateia, uma imensa multidão esperava também ansiosamente que este senhor de 73 anos de idade subisse ao palco, o que faria depois da habitual introdução da banda de suporte, enfeitado da cabeça aos pés, multi-colorido, ainda que o dourado assumisse domínio, "trashy" como diria a miudagem fashionistas de hoje, e transportando uma mala de viagem que não serviu para nada a não ser ajudar a compor a imagem. Instantes depois, veio um dos momentos com que o FMM marca a última actuação do castelo desde a sua primeira edição, o fogo-de-artifício. Ainda que menos espampanante que em outros anos, colou muito bem a "Fire", um dos temas de "Repetance", o álbum que Andrew W.K. (!) produziu para Perry no ano passado. O resto da noite prosseguiu com o dancehall entaramelado de Perry, típico dos anos recentes da carreira do jamaicano, que fez toda a gente dançar e suar até ao fim.
Dias antes, na abertura do castelo, a noite foi também memorável pelo seu conjunto. Não é habitual haver uma programação temática, propriamente dita, para os dias do festival, mas esta foi feita de propósito: guitarra portuguesa com Rui Vinagre, um homem da terra; Janita Salomé acompanhado por alguns dos melhores músicos portugueses da actualidade (José Salgueiro, Mário Delgado, Yuri Daniel, José Peixoto, ...); Uxía, acompanhada por Manecas Costa e Zeca Medeiros, chegou, tal como Janita, a cantar José Afonso; e Acetre, um grupo da extremenha Olivença, que também passou pela música tradicional portuguesa.
Na quinta-feira, os chineses Hanggai provaram ao vivo o valor que lhes era reconhecido no disco de estreia. Rock épico misturado com cantos guturais e instrumentos tradicionais da Mongólia, com direito a bis para "Drinking Song", um tema festivo que, apesar da língua em que é cantado, é imediatamente compreendido por quase toda a gente...
Na praia, houve também alguns concertos verdadeiramente explosivos, a começar pelo dos franco-magrebinos L'Enfance Rouge, numa reencarnação de uns Sonic Youth do tempo do EP de estreia ou de "Confusion is Sex" (já para não falar das semelhanças gritantes entre as baixistas de ambos os projectos), de uns Swans ou de uns Shellac mais roufenhos ainda, mas com uma integração magnífica com instrumentos árabes que estiveram nesta formação e que, aliás, contribuíram para o excelente "Trapani ~ halq al waady", álbum de há dois anos. Na praia, ainda, destaque também para os Chicha Libre, que, apesar do mau som com que começaram o espectáculo, foram melhorando cada vez mais, até terminarem com uma estrondosa versão de "Guns of Brixton", dos Clash.
Agora, é esperar mais 300 e tal dias.
Lista dos concertos favoritos nestes nove dias de FMM09:
1º Cyro Baptista/Pau na Mula
2º Mor Karbasi
3º L'Enfance Rouge
4º Uxía
5º Lee 'Scratch' Perry
6º Chicha Libre
7º Hanggai
8º Chucho Valdés Big Band
9º Dele Sosimi Afrobeat Orchestra
10º Debashish Bhattacharya
(Ah, e o Bailarico Sofisticado deste ano deve ter provavelmente sido o melhor do FMM até hoje. Pelo menos, na nossa opinião não independente. Foi seguramente aquele em que mais nos divertimos.)
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