quinta-feira, 2 de abril de 2009

A velocidade do cérebro emocional

Numa notável conversa com a jornalista Judite de Sousa no programa "Grande Entrevista", nesta noite, o conceituado neurologista António Damásio dizia, a certa altura, na sequência da abordagem do tema do aceleramento da vida diária:

«E há outro problema mais grave, para onde o nosso trabalho se está a dirigir. É um problema que tem a ver com a diferença de velocidades do nosso cérebro cognitivo e do nosso cérebro emocional. O cérebro emocional é um cérebro lento. Vem de há milhões de anos. É um cérebro que tem certas características de sistema neuronal, de mediador de estímulos, e que funciona numa escala relativamente lenta. É uma escala de segundos a, por vezes, minutos. O cérebro cognitivo funciona numa escala de centenas de milisegundos. Muito, muito rápido. Portanto, é perfeitamente possível para nós aprendermos muito rapidamente uma quantidade de factos, recolhermos uma quantidade de imagens e lembrarmo-nos delas, manipularmos essas imagens de uma forma inteligente. E, ao mesmo tempo, as emoções que deviam ser disparadas em relação a certos factos, em relação a certos acontecimentos, não conseguem ser disparadas porque não há tempo. Portanto, estamos a fazer uma separação, um divórcio completo entre estes dois cérebros, e isso, sim, isso pode ser muito perigoso.»

Enquanto ouvia estas palavras do professor Damásio, e nas linhas modestas com se cose o meu raciocínio, pensava no tema -- esbatido, admito -- dos modernos hábitos de consumo de objectos de arte e entretenimento, neste caso, da música. Ouvimos mais música, muito mais música. Conhecemos mais música, muito mais música. Mas teremos, de facto, tempo para lhe reagirmos... emocionalmente? Mesmo quando um novo disco nos cativa a atenção e o escutamos seis ou sete vezes ao dia, por quantos dias o fazemos até que outra ou outras descobertas ocupem esse privilégio no tempo que ocupamos durante o dia a ouvir música -- o qual também se prolongou consideravelmente, desde o despertar até ao deitar -- e deixemos para trás aquela paixão anterior, como se fossemos uma capa viva do NME, sempre em busca da next big thing?
Por vezes, dou por mim a levar a mala, para os Bailaricos Sofisticados, com discos que, na sua esmagadora maioria, têm mais de 10 ou 15 anos. Há dias, em Braga, numa conversa de amigos ao jantar, discutíamos que, apesar das quantidades massivas de nova música com que contactamos diariamente, o maior prazer acaba por ser tirado das coisas antigas. Uma das teorias na mesa, que vem ao encontro das palavras do professor Damásio, era a de que o trabalho de apreensão emocional já tinha sido feito no passado. Entra em acção a memória emocional, se assim se puder dizer sem fazer chocar nenhum neurologista.
Na mesma linha de raciocínio, há um exemplo que, apesar de poder (certamente que sim) derivar do desenvolvimento do marketing enquanto ferramenta de criação de mercados, ajuda a ilustrar esta questão. Porque é há hoje tantos discos, tantos eventos, tantos discos, tantos regressos de bandas, onde a palavra-chave é "nostalgia"? Os anos 70, os anos 80 ou até mesmo a década passada, nunca estiveram tanto na moda. Talvez nem mesmo na sua própria altura. E não é apenas na música que isto acontece. A minha memória é daquelas que mais cedo ou mais tarde vai carecer da pílula mágica em desenvolvimento de que o professor Damásio também falou nesta noite, mas sou perfeitamente capaz de me lembrar que há 15 ou 20 anos não havia nada que se parecesse com isto.
Nós, os da geração que cresceu antes da World Wide Web, ainda temos uma memória que recupera as emoções do tempo em que tínhamos tempo para as ter. Levamos bagagem para esta viagem, por assim dizer. Espero que o meu filho consiga ter tempo de fazer uma malita para transportar consigo (na viagem que é a vida, para este texto acabar de maneira bonita e singela, já agora).

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