sexta-feira, 10 de fevereiro de 2006

Europa fora de moda, parte II

Aqui há cerca de três meses, alinhavei algumas ideias em torno da forma como o rock feito na Europa, excluindo Inglaterra, corria o risco de ser mais ou menos ignorado pelos actuais canais de divulgação. Havia ali uma certa hiperbole argumentativa, é certo. Não estamos inteiramente virados de costas para o que vai sendo feito pela Europa, mas continuo a achar que já estivemos mais atentos e mais informados sobre o que se passa neste espaço cada vez mais "comum" do que estamos hoje.

Faltava, nesse conjunto de ideias, abordar uma outra questão. A história. Para a geração dos 30 e mais anos, há coisas do passado que não ficarão esquecidas, quanto mais não seja porque temos na prateleira estes ou aqueles discos ou cassettes a apanharem pó, enquanto aguardam por um daqueles acessos de nostalgia da nossa parte. Mas para os mais novos, que se interessem hoje por compreender o passado da música popular, vão deparar com uma história particularmente enviesada em direcção ao eixo anglo-saxónico.

Já não falo sequer no caso português, que, pelas razões que conhecemos e com as quais temos de viver, designadamente a falta de mercado, muito pouco se conhece efectivamente sobre o que foi o rock dos anos 70 e 80. Felizmente, porém, temos um valoroso trabalho como o do Aristides Duarte, aqui já falado, no seu blogue, rockemportugal.blogspot.com, e que em breve será concretizado no formato de livro.

Existe, portanto, um domínio claro de um certo anglo-saxonismo não só no que diz respeito à divulgação do que se passa hoje, mas igualmente no que está documentado relativamente ao que se passou para trás. O jornalista inglês Simon Reynolds, que através do livro "Rip it Up and Start Again" (ver capa numa posta mais abaixo) veio preencher uma lacuna na história documentada da música popular das últimas décadas (a fase do pós-punk), lembra num parêntesis aberto logo na introdução, e de forma bastante humilde: "For reasons of sanity and space, I have regretfully decided not to grapple with European post-punk or Australia's fascinating but deep underground scene, except for certain key groups such as DAF, Einstürzende Neubauten and the Birthday Party, all of whom significantly impacted on Anglo-American rock culture."

A história transporta sempre consigo este defeito da parcialidade. Diz-se dela que é a história dos vencedores. Retrata os povos vencidos como "bárbaros", dos quais o mundo precisou de se ver livre, tarefa na qual interviram "os mais nobres e valorosos heróis", do lado dos vencedores. Faz tabula rasa das virtudes dos vencidos, sublimando, na outra face da moeda, todos os seus podres. Nisto a que podemos chamar de história da música popular, os vencidos não chegam sequer a ver expostos os seus podres. São apenas ignorados. As batalhas de hoje disputam-se em terrenos económicos (mais do que no passado, entenda-se) e os vencidos são aqueles que perderam capacidade de serem ou de gerarem mercados. Um livro como o do Simon Reynolds tem e terá a aceitação global que um mesmo trabalho sobre as reacções ao punk por essa Europa fora, dos franceses Téléphone aos alemães Abwärts, por exemplo, dificilmente terá (até mesmo junto dos europeus, cada vez mais virados, como já se disse, para fora). Mas a música fez-se, os movimentos e as bandas também existiram. A história vai é, provavelmente, esquecê-los...

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