quarta-feira, 1 de fevereiro de 2006

Amores e preconceitos

A história do rock é feita de idolatrias absurdas. Isto, claro, de um ponto de vista estritamente racional. Mas basta virar a moeda para perceber que essa mesma história é também feita de preconceitos igualmente absurdos. Muitas das vezes, o tempo faz com que uma idolatria se transforme em preconceito, e vice-versa, quer tenhamos por referência as massas de ouvintes, com as modas que fluem pela sarjeta abaixo até que mais tarde ressurjam como rios de mel (ou de azeite), quer olhemos para nós próprios e para a forma como crescemos a ouvir música, isto é, a amar o ódio de ontem ou a desprezar a paixão de outrora.

Se alguns destes eventuais objectos de idolatria e preconceito ainda tem a sorte de serem apanhados no vai-vem amoroso acabado de descrever, outros há que, porém, ficaram para sempre no mais pequeno dos apeadeiros desta linha circular, pelo menos em determinadas escolas de pensamento. Certas associações de ideias, certos fenómenos, certos passos errados e, lá está, uma grande dose de preconceito fizeram com que grupos como os Sisters of Mercy, por exemplo, ficassem irremediavelmente associados ao pior do goth rock, esse lado menor, para muitos ouvidos pensantes da actualidade, do pós-punk dos anos 80. Não deixa, porém, de ser engraçado constatar que aquele tal vai-vem proporciona coisas engraçadas como o regresso do próprio pós-punk, hoje presente em qualquer escaparate de novidades de rock, ou até mesmo ao regresso de alguns daqueles contornos góticos, particularmente evidentes nos Gang Gang Dance, por exemplo, ou no novo álbum dos Liars. Até a secção rítmica dos portugueses X-Wife -- sim, X-Wife -- é claramente devedora do que o Dr. Avalanche e Craig Adams faziam nos anos 80. Do mal o menos: se uns ficaram com a (má) fama, os outros que tirem o (bom) proveito.

De onde terá vindo o preconceito? Do tom negro com que eram tingidos alguns dos temas, como aliás acontecia com praticamente toda a new wave? Da roupa preta? Toda a gente usava preto nos anos 80 e até o próprio Andrew Eldritch dizia numa entrevista que assim o faziam nessa altura -- sim, porque depois veio o branco -- pois se tornava mais fácil lavar toda a roupa ao mesmo tempo nas lavandarias, quando andavam em digressão. Por causa do nome, retirado de uma das mais brilhantes, senão mesmo a mais brilhante das canções de Leonard Cohen? Alguém que esteja do outro lado da barricada, do lado do desafecto, conseguirá responder a esta pergunta?

Tudo isto para dizer que os Sisters of Mercy vão regressar ao Coliseu dos Recreios, a 5 de Abril, quinze anos depois de os ter visto naquele mesmo local, e que vou procurar repetir a presença, sem qualquer espécie de pudor. Negar um álbum como "First and Last and Always" e todos os singles e EPs que o precedem é como rasgar uma página importante da história do rock dos últimos trinta anos.

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