segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Recordações da Póvoa

A segunda edição do Músicas do Mar, que este fim-de-semana aconteceu na Póvoa de Varzim, apresentou espectáculos óptimos, como os de Dengue Fever ou do colectivo de afrobeat liderado por Dele Sosimi. Foi melhor que no ano passado, seguramente. Para isso também ajudou que o público acorresse em maior número -- a Póvoa estava, desta vez, com bastante mais veraneantes que em altura semelhante do ano passado. Ainda assim, como lembrava a peça de ontem do Público, o Músicas do Mar ainda não consegue captar o seu público, o que constitui um factor crítico para a continuação do projecto. Não foi à segunda edição que o Músicas do Mar deixou de ser um evento para o público ocasional, o que não sendo grave -- é sempre agradável ver o interesse e até a alegria com que as pessoas que aparecem por acaso seguem espectáculos que lhes soam tão diferentes --, demonstra que ainda não constitui um pólo de atracção e de divulgação do próprio nome da cidade no país, como desejará a autarquia poveira, organizadora do evento. Ainda assim, e pelo que se ia ouvindo, a edição de 2009 parece estar assegurada.

Alguns destaques:

O rock'n'roll exótico dos Dengue Fever. Não tendo o primor técnico e a concentração dos restantes camaradas de cartaz, os músicos californianos que acompanham a vocalista Chhom Nimol, que é natural do Cambodja e canta em khmer, foram a proposta mais interessante e mais curiosa do festival. O encontro entre o rock de garagem psicadélico dos anos 60 e a pop cambodjana da mesma época remeteram o espectáculo para a categoria das bandas sonoras exóticas de filmes de acção de série B e só por distracção é que Quentin Tarantino ainda não os usou numa banda sonora, certamente.

O groove branco da Dele Sosimi Afrobeat Orchestra. Na quinta-feira, o espectáculo do nigeriano Dele Sosimi, antigo músico de Fela Kuti -- a sua carreira começou precisamente nos Egypt 80 -- serviu como uma bela resposta para aqueles que, ainda hoje, insistem em racializar a música, dando-lhe cores. Numa banda constituída quase em exclusivo por brancos europeus -- é o próprio Sosimi que diz que pretende mostrar a todos que o afrobeat pode ser tocado por uma orquestra composta por gente proveniente das mais diversas etnias espalhadas pelo mundo -- o funk de Lagos teve todo o groove que se exige. Fez dançar, fez entrar em transe, evocou de forma sublime o ícone Fela Kuti com o tema "Zombie"... Foi perfeito.

A folia dos Farra Fanfarra. No sábado à tarde, o largo que encabeça a rua da Junqueira encheu de público para assistirem à animação de rua dos Farra Fanfarra. E que animação. Entre portugueses, italianos e músicos de outras nacionalidades, a trupe dos Farra Fanfarra, cerca de duas dezenas de músicos, essencialmente metais, animou os locais com clássicos do ska, da música balcânica, da música ligeira dos anos 50, da música de intervenção italiana, etc. As atenções recaem principalmente sobre o mestre de cerimónias da fanfarra, o italiano Stefano, que salta e rebola, cospe e engole fogo, atira-se para cima de vidros, mete-se com o público... Uma farra permanente. O grupo, ou parte dele, foi ainda protagonista de um episódio que não resisto a relatar. Alguns minutos depois da actuação, já à entrada do hotel, permaneciam cinco ou seis músicos a trocarem impressões. Surge então um avô volumoso, com o seu neto de três ou quatro anos, que trazia um tambor a tiracolo. "Já acabou?", pergunta o avô, na mais cerrada das pronúncias nortenhas. "Então isto é que são horas de aparecer?", respondem-lhe os músicos. "Adormeci, caralho!", lamenta-se, fazendo depois uma pausa para rematar com um... "Toca aí qualquer coisa para o miúdo, caralho!" (assim lido soa agressivo, mas isto foi dito na maior naturalidade e simpatia de um homem do Norte, o que torna este episódio paradigmático na ilustração de um festival na Póvoa). E um dos trompetistas toca o "Atirei o Pau ao Gato", acompanhado pelo miúdo ao tambor.
(Foram muito bons os Farra Fanfarra, mas não perdoo o facto de terem roubado o público ao Bailarico Sofisticado na última noite, quando se puseram a tocar na rua e... a pedir dinheiro ao público que saía dos Hoba Hoba Spirit. Para a próxima, sou eu que saboto uma animação de rua da Farra... :>)

E mais? O auditório do Diana Bar sobrelotou de gente de todas as idades e de muito entusiasmo para o blues dos Nobody's Bizness, na quinta-feira, e do novo fado gingão dos Deolinda, no dia seguinte. A vez do pianista neo-zelandês Aron Ottignon já não terá corrido tão bem assim, já que à mesma hora havia futebol e as ruas da cidade eram a completa antítese das restantes noites. Os marroquinos Hoba Hoba Spirit, com um rock muito próximo dos Mano Negra e talvez ainda mais do próprio Manu Chao, mostraram que o seu país já é muito diferente do que ainda somos levados a crer por vezes. Antes, a italiana Rosapaeda trouxe as suas tradições locais revestidas pelo jazz e pelo rock de carácter mainstream, à semelhança de inúmeros outros projectos provenientes do mesmo país. Em relação ao Bailarico Sofisticado, houve uma primeira noite com público, mas também com demasiados problemas técnicos, muitos pregos e, pela primeira e única vez no festival, a chuva. Na segunda noite, não houve nada disto, só faltou o público.

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