domingo, 31 de agosto de 2008

Quando parte um amigo

Quando nos telefonam a dizer que morreu um amigo, ficamos incrédulos, não queremos acreditar no que nos dizem do outro lado da linha. A notícia fica a ecoar na cabeça todo o dia e sentimo-nos atacados por uma letargia, uma resistência à realidade, uma esperança de que tudo não passe de um pesadelo. Dias depois, certos que estamos da tragédia, é aí que se abate a sensação de perda na sua plena atrocidade.
Na manhã de sexta-feira fiquei sem um amigo. Não tenho, sinceramente, certeza a respeito da idade do João Pinto, que fazia anos no mesmo dia que eu (e do Pete Townshend, como ele lembrava sempre). Teria 60 anos ou perto de 70 (talvez não). Mas a graça é que a idade não era uma questão para o João. Não perdia os melhores concertos, estava sempre a par das novidades menos óbvias, tinha um entusiasmo pelas coisas que muitos miúdos de vinte anos já perderam em definitivo. Da última vez que estivemos juntos, na apresentação de "Maldoror" pelos Mão Morta (uma paixão e amizades em comum), quase me babei quando ele me falava do cartaz do mítico festival da ilha de Wight de 1970 a que assistiu. Tal como quando me falava da vez em que ele e os amigos se meteram com o Donovan, num concerto de há várias décadas. Ou daquela vez, mais recente, em que foi a Londres ver a Patti Smith a tocar com o Kevin Shields... E aquelas discussões que tínhamos a propósito dos grupos por onde passou o Kim Fowley... E os projectos obscuros de folk inglesa dos anos 60 que me gravou em tempos...
Partiu um amigo, mas este entusiasmo do João tem que manter-se na memória, como exemplo para os amigos que ficam.
(Esta já não vais poder comentar, João.)

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