quinta-feira, 8 de maio de 2008

Ao fado também se dança

Os Deolinda ainda vão comer bastantes quilómetros de estrada e de céu por esse mundo fora. Numa opinião que não será unânime com a dos seguidores que esta noite esgotaram o São Jorge -- sim, os Deolinda estão agora a lançar o primeiro disco e já conseguem encher um espaço como o São Jorge -- estão ainda distantes de serem a grande revelação da música popular portuguesa após Madredeus, que servirão sempre de comparação, mas hão-de vir a pisar o mesmo caminho. A voz de Ana Bacalhau, quase sempre excelente, claudica porém em certos pontos, ora quando ataca frequências mais graves onde não se dá tão bem, ora quando, com alguma frequência até, esbanja na colocação de voz aquilo que perde na dicção (dirão que no canto lírico acontece o mesmo, mas nem é isso que se pede na música dos Deolinda, nem nunca a esse ponto se chega). No resto da banda, falta por vezes algo mais que as duas guitarras clássicas (que mal se ouviram, mas podia ser do sítio) e o contrabaixo para que aquela sequência de fados gingões, de chorinhos, de mornas e até de um quase tango (tudo família do fado, como se vê) chegue mais perto da perfeição. Mas se musicalmente poderia haver outro arrojo, é nas letras e nos ambientes criados pelas canções que chega a subversão dos Deolinda. Há o magnífico novo hino de Portugal, aqui e ali se afirma que ao fado também se dança, e num dos temas, Ana Bacalhau chega a encarnar com enorme à vontade a personagem de uma brasileira garçonette para explicar como a alegria e o ritmo também podem entrar no fado. Caso para dizer que, embora isso não seja culpa dos Deolinda, com tanta promoção ao lado sério, negro e melancólico do fado ao longo dos anos, seja agora preciso ir buscar uma personagem do outro lado do Atlântico para mostrar que afinal fado também pode ser acompanhado por um belo abanar de ancas...
À parte de tudo isto, houvesse casa de apostas onde se jogasse o futuro de grupos portugueses, a noite de hoje iria fazer toda esta gente apostar já nos Deolinda. Daqui a uns anos vão estar a fazer digressões pelo Japão!

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