A música para crianças, dir-se-ia, ostentará, além da vertente lúdica, uma indispensável vertente didáctica. Muito bem. Mas quais são os exemplos que encontramos hoje por aí em que isso efectivamente aconteça? No poim-poim do Avô Cantigas?
A música, nos seus aspectos mais básicos (tonalidade, harmonias, ritmo, melodias, etc.) é diferente da literatura, por exemplo. Os bebés conseguem apreender a harmonia entre diferentes sons desde os primeiros meses de vida (dentro até do ventre da mãe, de acordo com determinadas correntes). Já para a leitura propriamente dita precisam de ter absorvido um conjunto de conhecimentos que lhes permitam decifrar os códigos de linguagem, de escrita, de narrativa, etc. Daí que seja natural a existência de algo como "livros para crianças", cheios de bonecada para as mais tenras idades ou de linguagem simples para aqueles que começam a ter as suas primeiras leituras. Mas a música, repito, nos seus aspectos mais básicos, rever-se-á também nesta lógica?
O meu filho, com três anos e meio, adora os pinguins que ouve nos intervalos do Panda, mesmo que não perceba a ponta de um corno do francês. Mas também salta rapidamente do sofá para dançar freneticamente aos National, por exemplo, como testemunhei ontem. A propósito, a primeira coisa que o pai lhe deu a ouvir, um pouco por acidente, foi... Lightning Bolt. Baixinho, claro. E não mostrou qualquer desagrado. No FMM de Sines deste ano, as oficinas de trabalho foram pela primeira vez exclusivamente dedicadas a crianças. Os músicos que à noite faziam, hum, "música para adultos", estavam ali a partilhar as suas estranhas músicas a um público infantil que, diz-se, terá adorado. O que é que terá então a música para crianças assim de tão diferente das outras que ninguém diz que sejam para crianças, mas que são recebidas da mesma forma por estas?
A música é um produto comercial, evidentemente. Só numa lógica de criação de valor comercial num produto pelos departamentos de comunicação (a montante e jusante, simultaneamente, da escrita de música) é que se entende o conceito de música para crianças. Acaba por ser tão válido como alguns iogurtes para crianças que por dentro são iguais aos dos adultos. Apenas a embalagem difere. E se estas formatações artificiais (que rapidamente ganham legitimidade social, note-se) ficassem só por aqui, já não seria mau...
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