quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

A crise, o fim do euro, os concertos e tal

Tenho que começar por pedir desculpa, porque quero usar uma palavra e abordar um tema a que os nossos olhos e ouvidos parecem já não conseguir dar mais vazão, enquanto se deixam transbordar nesta poça de pessimismo, para não usar matizes mais carregados do termo. A crise. A filha da puta da crise.

Pior, quero falar de outra crise, não da atual, muitas das vezes exacerbada, outras das vezes generalizada a todos, quando aqueles que efetivamente já a sentem nem oportunidade para falar têm. Não quero falar de IVA nos bilhetes ou da redução esperada por alguns da afluência às salas de concertos.

Pretendo apenas refletir, sem pessimismo outro além daquele que os cenários económicos expectáveis de virem a desenhar-se nos próximos tempos já deixam antever, no que poderá vir a ser o panorama de concertos daqui a poucos anos, se o caminho que agora trilhamos não der uma meia volta, um lapso de sorte, um coelho branco de paz que ainda ninguém conseguiu tirar da cartola.

Vejamos, antes de mais, como têm sido os últimos anos, as últimas décadas até, no que a este domínio, o dos concertos e dos espetáculos em geral, diz respeito, tendo por aliada a premissa de que sempre é mais fácil, seguro e unânime falar do passado do que pintar um futuro por acontecer, seja qual for a paleta de cores preferidas do artista. Na segunda metade dos anos 90, tornou-se claro que o número de concertos de artistas estrangeiros estava a aumentar. Ora porque os portugueses andavam com mais dinheiro nos bolsos, ora porque andavam mais informados à custa da diversificação e "minorificação" dos meios mediáticos (o termo "minorificação" não é usado de forma leviana: lembrem-se da importância que a Xfm teve na promoção e solidificação de um circuito de concertos importante em salas como a Aula Magna, através de grupos como os Tindersticks, os Soul Coughing, os dEUS ou os Lamb, concertos esses que ajudaram depois as promotoras a avançarem com menos medos para os festivais de verão, para os festivais urbanos noutras estações do ano, etc.).

Depois, no novo milénio, aquela tendência veio a ser reforçada. Mais, floresceram as salas pequenas, em Lisboa e no Porto -- e até, ainda que de forma menos regular, em outros locais do país, muitos deles até pouco óbvios --, onde os promotores (muitos dos atuais, principalmente os mais pequenos, surgidos neste boom) podiam agora apresentar as bandas de públicos mais específicos, aquelas 50, 100 ou 150 pessoas que em cada uma daquelas cidades se vai interessando por música nova, sem que precise de chegar a um ponto de massificação (relativa, claro) como aquele a que estávamos sujeitos nos anos 90.

Com razão, acredito, muitos apontarão como fator importante para este crescimento o dinamismo ganho, um pouco por todo o mundo, no mercado dos espetáculos ao vivo, essencialmente motivado pela quebra na venda de discos, e que fez com que o negócio da música tenha vindo a mover-se do lado dos suportes para o lado da apresentação, música em carne e osso e noutros tantos aspetos impossíveis de serem reproduzidos à distância, de serem copiados e distribuídos livremente.

Mas há outro fator que, seja neste ou em qualquer outro negócio, é habitualmente esquecido.

No início dos anos 90, Portugal sujeitou a sua moeda, o velhinho escudo, a um espartilho de variações fixado pelo então designado Sistema Monetário Europeu e o seu famoso ECU. Mais tarde, a 1 de Janeiro de 1999, o ECU transformou-se no euro, e os países que se preparavam para vir a usar a nova moeda, perdiam qualquer margem de manobra na sua política monetária, não podendo alterar as taxas de câmbio das suas moedas. O escudo ficava paritário em relação ao euro, ou seja, este último valia (sempre!) 200,482 escudos, e a partir de 2002, desaparecia de circulação o próprio escudo.

Procurando novamente descer à terra com rapidez para a leitura daqueles que aqui tenham chegado sem desistir a meio destas reflexões, as nossas trocas comerciais com o exterior passaram a estar dependentes da flutuação de uma moeda que já não era nossa para controlarmos. Veio a suceder-se que o euro começou a ganhar importância sobre outras moedas. Veio a suceder-se que os produtos vindos do estrangeiro se tornaram mais baratos para nós. Quem costumava comprar discos ou passar férias em Inglaterra, por exemplo, sabe o bem que lhe soube esta aparente descida dos preços. Da mesma forma, quantas mais libras ou dólares valha um euro, mais fácil será pagar a alguém de fora, que trabalhe naquelas moedas, para cá trazer o nosso artista favorito semanal.

O que acontecerá num cenário, porventura provável, de falhanço do projeto do euro, quanto mais não seja de uma saída de Portugal deste sistema monetário? Um primeiro passo será a desvalorização relativa da futura moeda por comparação com os atuais níveis do euro. Os turistas virão em charters, as nossas exportações conseguirão vender mais bem lá fora, e... os concertos com os nossos artistas estrangeiros favoritos da semana? Ficarão mais caros. Será sustentável o panorama interessante de que acima falava? Provavelmente não. Talvez voltemos ao início dos anos 90, em que cada novo espetáculo anunciado no cardápio do Blitz era celebrado com o gáudio com que se celebra um bife em casa de quem não consegue fazer uma refeição de carne quando quer, mas apenas quando pode, mal feita a comparação entre misérias incomparáveis. Mas isto já será especulação.

Resta uma nota positiva no meio deste pessimismo. Se este cenário se vier a concretizar, poderá aqui renascer uma nova oportunidade para o desenvolvimento da música portuguesa. Tanto dentro, como fora de portas, os músicos portugueses poderão sair mais bem sucedidos no negócio a que dedicam as suas vidas ou parte delas. E isto também é especulação, ainda que por este caminho...

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