U. Os dez melhores concertos, por ordem de preferência: Neil Young, Shellac, My Bloody Valentine, Jason Lyttle, Liars, Black Lips, The Jesus Lizard, Spectrum, Sonic Youth, The Vaselines.
Dos. Neil Young curto demais. Houve vários pontos de contacto com o concerto em Lisboa, no ano passado. Das canções mais conhecidas, não houve (e foi uma pena) o "Words" e várias outras, mas houve "Cinnamon Girl", "Down by the River", "Mansion on the Hill" e, a única nova, "Get Behind the Wheel". Mas do que mais se notou a falta, e daí também o concerto ter sido relativamente curto face ao que se esperava, foi dos temas longos, daqueles em que Young abraça a guitarra, explora a distorção, procura o feedback, sem pressa de terminar a relação de amor com as seis cordas. Alinhamento: Mansion on the Hill, Hey Hey My My, Are you Ready for the Country, Everybody Knows this is Nowhere, Pocahontas, Spirit Road, Cortez the Killer, Cinnamon Girl, Oh Mother Earth (Natural Anthem), Needle and the Damage Done, Unknown Legend, Heart of Gold, Old Man, Down by the River, Get Behind the Wheel, Rockin' in the Free World, A Day in the Life (encore).
Tres. A maior desilusão do festival? Sonic Youth. Foi, em matéria de pesos e medidas, um bom espectáculo. Ouvir o "Brother James", o "Hei Joni" ou o "Tom Violence", só para citar algumas das mais antigas, num mesmo concerto, é coisa pela qual um tipo se deve sentir privilegiado. Mas, e é um grande "mas", estando-se num festival em que metade do cartaz deve a sua existência aos Sonic Youth e usa mesmo o palco, como filhos de peixe que sabem nadar, para desafiar algumas das convenções que estes vieram a derrubar ao longo dos anos é, no mínimo, decepcionante ver os progenitores, para mais elevados a cabeças-de-cartaz principais, pouco capazes de arriscar fosse o que fosse (uma ausência total de coragem se nos lembrarmos da actuação dos My Bloody Valentine, por exemplo) ou de mostrarem algo mais do que aquele ar de tédio com que enfrentaram o palco (parecia até haver algum desconforto entre os elementos do grupo, quem sabe sintoma do regresso a uma editora independente). Foi tudo tão diferente quando, há oito anos, os vi nesta mesma Barcelona, a apresentarem o projecto "Goodbye 20th Century". Agora, no Primavera, foram apenas mais uma banda... como as outras, com um bom concerto... como os outros. Alinhamento (com * os temas do novo álbum, "The Eternal"): Brother James, Sacred Trickster*, Hey Joni, No Way*, Calming The Snake*, Antenna*, The Sprawl, Cross The Breeze, Anti-Orgasm*, Leaky Lifeboat*, What We Know*, Tom Violence, Pink Steam, Bull In The Heather (encore), Expressway To Yr Skull (encore).
Quatre. Steve Albini é Deus. Pouco depois de Jarvis Cocker, a quem Albini produziu o mais recente álbum, acabar no palco principal, voltou com os seus parceiros Bob Weston e Todd Trainer ao palco ATP, para ali produzir um dos maiores estrondos do festival. Som perfeito, coisa pouco frequente neste palco (pior ainda era o RockDeluxe, já agora), experiência e técnica a rodos entre os três, permitindo um entrosamento magnífico como banda, coisa também nem sempre frequente em muitas das outras bandas, especialmente as deste palco, e um alinhamento magnífico (fez falta o "Prayer to God"). Grande final com "The End of Radio", uma de várias que foram buscar ao último álbum, numa performance apoteótica, onde nem sequer a bateria, que foi desmontada peça a peça por Albini e Weston, sobrou. Memorável. Só por isto já teria valido a pena este Primavera.
Cinc. Os tampões para My Bloody Valentine. À entrada, nos dois primeiros dias, respectivamente os dos concertos dos irlandeses no palco principal e no auditório, a organização distribuía aos participantes tampões para os ouvidos. É que -- e eu só vi o concerto do palco principal -- o volume e o ruído que ali se produziram desafiou tudo o que até hoje já se viu, perdão ouviu, à frente de um palco. Não espanta que haja quem fique com a audição reduzida depois destes concertos de regresso da banda de Kevin Shields (a começar pelo próprio). A demonstração de maior coragem, tanto por parte da banda como do público, veio com "You Made Me Realise", com que os MBV têm encerrado estes concertos, onde no meio surgem quase vinte minutos de ruído intenso, só eventualmente comparável ao que se ouvirá no interior de um reactor de um avião ou pairando por entre nuvens em permanente colisão.
Sis. Outros concertos, outros barulhos. Houve outros momentos dignos de nota. Os Spectrum a tocarem Mudhoney; O stage diving de David Yow, dos Jesus Lizard, que apareceram em grande forma, mesmo passados todos estes anos; A simpatia dos Vaselines; A estranheza de ver Lightning Bolt num palco e com som baixo, o que foi uma pena, o que também afectou os Sunn O))); A presença em palco de Jarvis Cocker, que bastou para agarrar o público mesmo antes de cantar fosse o que fosse (nota curiosa - a dada altura, Cocker dirigiu-se ao público em castelhano macarrónico, que depois traduziu para "my hovercraft is full of eels", do célebre "Dirty Hungarian Phrasebook" dos Monty Python, sendo que pouco depois Bob Weston, baixista dos Shellac, repetiria a piada no palco ATP; A pop country do Jason Lyttle, que ainda tocou vários temas dos Grandaddy; a irreverência ié-ié dos Black Lips no final do festival, os quais ainda cheguei a ver num pequeno e surpreendente set acústico na tenda da Ray Ban; A bebedeira dos dois putos dos Wavves, que levou a que o concerto se tornasse, possivelmente, no mais caótico do festival; O nervosismo dos chineses Carsick Cars, que possivelmente nem tinham idade para entrar no festival sem ser acompanhados por adultos; O enorme colectivo -- parecia quase uma banda de afrobeat, de tantos que eram -- que acompanhava o Dan Deacon, outro espectáculo que ameaçou o caos, quando o músico fazia birra para que o público fizesse o círculo de dança; etc.
Não foi fácil conseguir ver-se tudo o que se queria, num festival como estes. Alguns tiveram que ficar de fora (Gang Gang Dance é o caso que mais me custou), outros foram apanhados a meio e/ou abandonados antes do final. Só não houve silêncio. Mesmo nos poucos momentos em que não havia ninguém a tocar nos palcos mais cercanos, era o barulho, curioso por sinal, dos copos de plástico a serem pisados e chutados por quem caminhava pelos acessos. E as conversas dos espanhóis.
Set. ¿Por qué no te callas? No público, ninguém conseguia comunicar, a não ser por gestos, durante o final do concerto dos My Bloody Valentine. Ninguém? Bom, talvez os espanhóis conseguissem. Como todos sabemos desde há muitos anos, o desporto favorito dos nossos vizinhos é falar, falar, falar, falar, falar o mais alto possível, do erguer ao deitar. É impressionante como, às cinco da manhã, no interior das carruagens de metro ou dos autocarros de Barcelona, se continua a ouvir a mesma cacofonia que já se ouvia durante o dia. A estas horas, qualquer português vai cansado, calado, mono, a dormir até. Mas em toda a Espanha escuta-se sempre o mesmo matraquear, seja que horas forem. Ora, nos concertos, especialmente aqueles em que o som é mais baixo ou nas periferias da plateia, nos outros, é impossível ignorar o adstrato sonoro produzido por estes grupos de espanhóis, que só param de falar no intervalo dos temas, para levantarem os braços e aplaudirem algo que não estiveram a escutar antes. É tão cómico que quase nos faz esquecer não nos terem deixado ouvir a música.
Vuit. O Forum cheira mal. A zona do Forum, junto ao mar que banha Barcelona, é um espaço cuja dimensão e configuração oferecem características ideais para se organizar um festival como este. Mas fede que se farta. Não é o mau cheiro típico de Barcelona. É um pivete proveniente ora de descargas de dejectos químicos, ora de esgotos, que se torna insuportável por vezes.
Nou. Primavera Marcas. Apesar de vocacionado para os públicos afectos a círculos mais independentes na música -- ou talvez mesmo por causa disso... -- o Primavera não deixa de ser um palco enorme para as duas principais marcas do festival, a da cerveja e a dos óculos escuros. A primeira é das piores bebidas que a Catalunha tem para oferecer (até a San Miguel sabe a cerveja por comparação). E se aquela andava nas mãos do público, a segunda outra marca omnipresente tinha o seu público nas mãos. Em cada um destes três dias, parecia que estávamos não num festival de rock, mas numa qualquer concentração ibérica de wayfarers...
Deu. Me duelen las rodillas, tio. Aguentar três dias de um festival como estes até ao fim é pôr à prova o corpo, principalmente dos joelhos para baixo. Percorrem-se quilómetros de palco em palco, da banca de cerveja às casas-de-banho, sem contar com as as caminhadas sempre obrigatórias pelas ruas de Barcelona. E, ao cansaço físico, junta-se o intelectual. Obrigamos o cérebro a mudar rapidamente de um Jason Lyttle, por exemplo, para uns Sunn O))) ou de um Jarvis Cocker para uns Shellac. Não é fácil, mas o esforço é recompensador e a vontade de voltar é algo que surge assim que os primeiros sinais de cansaço se dissipam.
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