segunda-feira, 2 de março de 2009

Hanggai, o som (moderno) das pradarias mongóis ou como a busca da tradição pode ser contra-cultura



«Não deixemos a nossa canção acabar
Não deixemos as nossas riquezas definharem
Um copo para sempre nas nossas mãos
Uma canção para sempre nas nossas gargantas.»

(em "Drinking Song")

Numa antiga língua mongol, a palavra "Hanggai" era usada para descrever paisagens idílicas, onde os rios correm livremente por entre montanhas cravejadas de árvores e recortadas no céu azul. Uma autêntica utopia para a juventude urbana da sobre-populada e sobre-poluída Pequim, no seio da qual se assiste ao nascimento de um movimento de contra-cultura -- leia-se de reacção à imitação ocidental -- em que é respeitada a língua nativa, onde são recuperadas e reconstruídas as tradições milenares, quase apagadas pelo passado mais recente do grande império chinês. No centro desta revolução, encontram-se grupos como os Hanggai. Ilchi, o principal mentor, liderava uma banda punk quando ouviu um dia alguém praticar o canto gutural. Viajou até à terra do seu pai, na Mongólia Interior, para aí aprender a técnica do canto e conhecer o reportório local. Por lá, conheceu dois estudantes de música, Hugejiltu e Bagen, e com eles formou os Hanggai.
Os Hanggai estrearam-se em edições no ano passado, com o álbum "Introducing Hanggai", trazido para o Ocidente pela World Music Network. Dez canções construídas a partir do canto gutural, do morin khuur (um violino com cordas de crina de cavalo) e do tobshuur (uma espécie de banjo de duas cordas, também de crina), que vão de afirmações mais ou menos fiéis às raízes -- mas nunca como nos Huun-Huur-Tu, "vizinhos" de Tuva, por exemplo -- às transgressões mais inspiradas (e mais traquinas), que colocam os Hanggai para a tradição mongol como os Hedningarna estavam para a nórdica. "Five Heroes", por exemplo, que conta a história de cinco Robin Hoods do imaginário mongol, começa por um desempenho sério no canto gutural, para depois se transformar, por entre berimbaus de boca e guitarras eléctricas, no que poderia ser a banda sonora de um western, melhor, de um "eastern", filmado nas pradarias mongóis. A acreditar em temas como "Yekul Song", a Mongólia até fica mais perto do que parece, porque já ouvimos isto em recuperações das canções da Lapónia e do povo sámi (novamente os Hedningarna), o que faria introduzir aqui o velho tema da relação entre as culturas fino-úgricas e o Extremo Oriente, mas fica para outra altura. O que é importante reter é que um álbum como este deve ser muito bem estimado. Não só pelo papel revolucionário que desempenha, mas também pela qualidade intrínseco de todas as canções que o compõem, que merecem ser ouvidas em qualquer altura, em qualquer contexto. Como se diz no site do grupo, para se "sentir saudades de uma terra onde nunca se esteve".
Myspace: myspace.com/hanggaiband

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