terça-feira, 29 de junho de 2004
Cantemos, pois!
As crónicas do Miguel Esteves Cardoso, de ontem e de hoje, são na maioria das vezes de dois tipos: óptimas e excelentes. Mas se umas vezes valem apenas pelo traço cativante que o monárquico imprime à sua escrita, isto é, em situações em que não concordamos com a tese em causa ou em que ela nos é, no mínimo, indiferente, há outras vezes, porém, em que tanto o tema como a abordagem se aliam de uma forma absolutamente apaixonante. E a crónica de hoje no Blitz é para mim um deste último tipo de casos. O Miguel foi buscar um tema que porventura mais ninguém se lembraria e que, bem vistas as coisas, aparece fundamentado de forma inapelável. Apesar de vinte anos mais novo, também me recordo de ouvir o povo a cantar na minha meninice e adolescência. A peixeira que andava pelo bairro das colónias a cantar o peixe que tinha para vender. A vizinha do pátio do prédio ao lado, que tinha sempre uma modinha para cantar enquanto pendurava a roupa. As ladaínhas e lenga-lengas que as velhas sentadas à soleira da porta de casa cantavam aos miúdos que brincavam na rua. O amolador que enchia a rua de melodia com a sua flauta de pan. As palavras de ordem que o povo cantava (e não disparava apenas) nas manifestações (bom, isto ao menos está a regressar). Onde pára isso hoje? Nos toques de telemóvel?
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