quarta-feira, 12 de maio de 2004

Évora morre aos poucos

Quando aqui há uns anos ia a Évora, era habitual ficar impressionado com o andamento que aquela cidade tomava. Estou certo que era mais do que aquela arrogância tipicamente alfacinha que leva um lisboeta a ficar impressionado, bastas vezes, com o desenvolvimento que certas cidades do interior vão tomando, frequentemente incógnito ao macro-óculo nacional. Aquela cidade fervilhava de agitação. Durante boa parte do ano, havia um rame-rame de turistas desde o Hotel da Cartuxa até à Praça do Giraldo, ao Templo de Diana ou a qualquer outro local de interesse dos muitos que Évora oferece. Todos os anos acontecia o Viva a Rua, uma magnífica celebração da comunhão entre as pessoas e o ar livre da cidade, uma festa com música (alguns bons nomes das músicas do mundo passaram por lá), teatro urbano e outras manifestações artísticas que levavam largos milhares de pessoas, vindas de todo o país, às ruas da capital de distrito. A associação Pédexumbo, por exemplo, cuja importância para a música e para a dança é por demais evidente em realizações como o Andanças (os lisboetas podem também tomar contacto com esta realidade incrível às sextas-feiras no Mercado da Ribeira), nasceu lá. Évora existia nesta altura.

Hoje, o retrato é mais sombrio. Experimente-se passear pelo centro de Évora num sábado à tarde, por exemplo. A maior parte das lojas encontra-se encerrada. Já não se vêem tantos turistas palmilhando as ruas como antigamente. A actual edilidade acabou com o Viva a Rua, mas não continua a depauperar o orçamento com organizações mais popularuchas (sim, porque "popular" era o Viva a Rua), com artistas pagos a preço de ouro a quem já poucos ligam, com Operações Triunfo para o povo e outras opções igualmente duvidosas.

A mais recente estocada no moribundo aconteceu há poucos dias atrás. A Feira do Livro, que todos os anos se realiza na Praça do Giraldo, foi relegada para segundo plano perante uma nova feira de "fashion". Não importa que a Feira do Livro estivesse já programada para começar a 28 de Maio, que a agenda cultural distribuída aos edis (e não só) saísse com essa informação, que os eventuais turistas que hoje mesmo queiram saber o que se vai passar em Évora nesses dias fiquem convencidos, pela informação prestada no site da Câmara, que vai haver uma Feira do Livro. Mas a verdade é que a Feira do Livro só se vai realizar -- se se realizar -- depois da feira de "fashion", sabe-se lá quando. Se a "fashion" está na moda e o livro nunca o esteve propriamente, completamente demodé parecem estar as programações culturais sérias de câmaras municipais sérias neste país.

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