quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Um testemunho de admirador

Fa e La sustenidos até ao infinito. Já não tenho bem presente, mas creio que era o meu aniversário, a Maio de 1999, e o meu amigo Rui trazia-me o primeiro álbum de uns tipos do Quebeque chamados godspeed you black emperor!, assim mesmo, com nome comprido e com ponto de exclamação no final para nenhum de nós confundi-los com os God Speed My Aeroplane do Jorge Ferraz ou com os God is My Co-Pilot, que então beneficiavam de uma certa popularidade nos meios mais hardcore. O disco já era de 1998 ou até mais antigo, porque esta era a edição trabalhada para CD de algo que já havia saído em formato LP no ano anterior. Ainda estávamos no século passado e nem havia as possibilidades de conhecer novos projectos como hoje, nem a música era um mero acto de moda, que perdesse a validade de um ano para o outro. Mas, caramba, não deixava de sentir um certo nó na garganta por, ainda assim, não os ter conhecido mais cedo. Nas semanas (meses?) que se seguiram, o disco não sairia do leitor nem à lei da bala. Em pouco tempo, tal foi o impacte produzido, tornou-se na minha resposta preferida para a pergunta do disco favorito de sempre. Embora nem sempre conseguisse convencer os amigos quarentões e cinquentões disto, para mim, aquele estava a ser o "Saucerful of Secrets" ou o "Atom Heart Mother", o "Pawn Hearts" ou o "Tago Mago" da minha geração. Como viria a fazer sempre daí para a frente, comprei também a edição em LP, que é diferente da versão digital e que levava ao cúmulo o cuidado posto na embalagem do disco, a tal ponto de vir a acompanhar uma moeda esmagada por um comboio (a capa interior do disco e uma das imagens dilectas dos godspeed) nos carris que passam junto ao Hotel2Tango, que começou por servir de residência, sala de concertos e de ensaios, para se tornar em estúdio e em quartel-general da editora Constellation. Depois, consegui obter o EP "slow riot for new zero kanada", em que as guitarras do épico "Moya" ainda hoje me fazem perder o tino. Vieram mais discos, veio a obsessão pela colecção dos discos com selo Constellation, veio o concerto de Londres (eu e os outros camaradas do Bailarico Sofisticado fomos em 2000 até Londres, ainda não havia low-costs, para os ver de propósito), vieram os concertos de Lisboa e, como era já previsível, veio o fim. Um sobe e desce, tal como na fórmula típica de uma boa parte dos temas do colectivo.

Alguns dos elementos mais resistentes dos godspeed -- há que lembrar que o colectivo chegou a ser constituído por cerca de 20 pessoas, apesar de ter estabilizado no noneto na fase da edição de discos -- continuaram a tocar o barco para a frente, nos Silver Mt. Zion (com todas as designações daqui evolventes) que, apesar de partir de uma matriz de instrumentos muito semelhante, ameaçou desde logo apontar por caminhos diferentes. Para já, a voz. Nos godspeed, as vozes existiam no plural e eram quase sempre resultado de field recordings, complementos à música, já nos Mt. Zion a voz é singular e pertence a Efrim Menuck. O timoneiro do projecto encontra aqui a liberdade que não encontrava nos godspeed, que era um projecto comunal na sua raiz, para conferir aos temas um cunho lírico e marcadamente melancólico (ainda que imbuído de notas de esperança, tal como nos godspeed). Agora, na maior parte das vezes, a música transporta as letras e é por isso mesmo mais repetitiva, menos desenvolvida, mais ligeira por definição. Se os godspeed eram rock de câmara, os Mt. Zion aparecem como uma versão lírica e ligeira daqueles. Não é por isso que são piores ou melhores que os godspeed, note-se. Admiro um e outro projecto por razões que não são inteiramente coincidentes. São projectos diferentes. A ansiedade por ver pela primeira vez em palco esta segunda experiência é enorme, mas admito que, sem dúvida, preferia voltar a ver os godspeed novamente.

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