quarta-feira, 26 de novembro de 2003

Liars Death

Antes de mais, convém esclarecer que o título não é nenhuma certidão de morte aos Liars. Bem pelo contrário. Quem viu o grupo nova-iorquino esta noite no Lux (ou, presumidamente, no Sá da Bandeira, um dia antes) poderá perceber o trocadilho se contextualizar esta(s) noite(s) com os primeiros discos dos Sonic Youth, nomeadamente com aquele registo ao vivo que o clube de fãs celebrizou com nome aproximado ao do título.
É bom começar por dizer estas coisas, pois podemos logo libertar-nos de fantasmas que pairam sobre a narração ou interpretação de algo a que assistimos e que dificilmente se repetirá nas mesmas condições. Isto é, os Liars não fazem nada de particularmente novo. É ponto assente. Já os Sonic Youth e muitas outras bandas, quer americanas, quer europeias (e aquela segunda faixa não fez lembrar os ritmos tribalescos dos Test Department?), o tinham experimentado há cerca de vinte anos. O que fez então do concerto dos Liars desta noite algo de tão especial?
Esqueçamos por momentos, passe a redundância, o tempo. Imaginemos -- aqueles que por razões óbvias, ou seja, pela idade, o possam fazer -- que estamos nos anos 80. Os outros que tentem imaginar a situação através dos relatos dos mais velhos. Imaginem que não há nada mais que três tipos a fazer algo em palco que nos é de tal forma compulsivo e arrasador (o zunido nos ouvidos parece querer confirmar a hipótese) que nos faz perder toda a noção de espaço-tempo (desculpem esta pequena intromissão, quase cameo, da variável tempo). Mas... não era isso que um bom concerto de rock conseguia fazer há anos?
Muito passa pela bateria firme de Julian Gross (nova aquisição), tal como há vinte anos passava pelas de Richard Edson ou Jim Sclavunos, nos Sonic Youth. Por cima destas compulsivas sequências de bombo e tarola há uma guitarra e uma voz desalmada de Angus Andrew (a propósito, as notáveis semelhanças físicas do vocalista dos Liars com Nick Cave remetem para a estranha coincidência de ambos serem australianos). Às tantas, a descarga sonora é de tal forma assolapante que voltamos a pensar no tempo, como na frase "e não é que em 2003 podemos voltar a sentir tais sensações?".
O espectáculo durou cerca de quarenta minutos. Talvez um pouco mais do que o espectáculo no Porto, pois de acordo com o que Angus Andrew referiu ao microfone, esta noite era "especial", já que marcou o encerramento da digressão dos Liars pela Europa. Pouco tempo? Talvez, pois poucos se importariam de continuar a ser alvo da agressão sonora vinda de palco. Mas importa perceber que, como diz um aforismo certeiro, a música não se mede a metro. Quarenta minutos de Liars valeram seguramente por muitas horas de concertos de milhentas bandas.
Para terminar, uma pequena provocação. Enquanto os Strokes (sim, tinha que ser) aproveitam a onda para fazer co-brandings com marcas de roupa e afins, os vizinhos Liars apresentaram-se esta noite com as marcas dos amplficadores tapadas com fita adesiva, à semelhança do que, por exemplo, fazem os Mão Morta por cá. Statements políticos como estes deixam perceber que o punk não é já só uma vã categoria nos meandros do marketing musical. Existe, e com postura digna.
Ah, falta dizer: concerto do ano!
(E ainda mais um recado final: o Lux, através de palavras da própria organização local, começou neste concerto a praticar uma nova política de horários. Pelos vistos, os concertos não vão começar mais às tantas da noite, tal como acontecia antes. Por essa razão, aliás, não cheguei a ver os X-Wife.)

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