terça-feira, 2 de agosto de 2011

FMM Sinergia 2011

Prestes que está a terminar a ressaca de Sines e com o distanciamento adequado para recordar e resumir para palavras esta magnífica semana e meia de concertos e de férias com os amigos, eis um apanhado rápido dos meus momentos prediletos do FMM 2011:

1. CONGOTRONICS vs. ROCKERS (Congo-Kinshasa/Ocidente)



Se o "vs." que aparece tanto no título deste espetáculo como no do disco que lhe deu origem aponta para uma batalha entre forças aparentemente opostas, podemos começar por dizer que no disco, saíram vencedores os rockers ocidentais. Podem vir dizer que fizeram batota, porque pegaram no trabalho já feito pelos congoleses e adaptaram-no às suas intenções, aos seus pontos de vista. Mas é um grande disco. Continuando a olhar para o "vs.", os vencedores no palco já são claramente os congoleses. Juana Molina e os Deerhoof, principalmente a sua vocalista Satomi Matsuzaki, não se dão mal, ainda que na maior parte das vezes tenham os seus instrumentos com o som enfiado para baixo do tapete sónico construído pelas likembes eletrificadas (aquela espécie de pianos de mão ligados à distorção) e pela percussão dos africanos.
Todas estes considerandos sobre os vencedores da batalha interessam apenas para explicar uma diferença grande que opõe disco a espetáculo. Há outra ainda: no disco, são muitos mais os artistas envolvidos, principalmente entre os ocidentais. No palco, ainda que ali estejam 19 músicos (o 20º encontra-se hospitalizado), o som acaba por ser mais homogéneo, mais coerente, em duas horas de dança obrigatória. Fez recordar, em grande medida, o concerto dos Konono nº 1 no Jardim Botânico de Lisboa, mais até do que outro que há mais tempo deram junto à praia de Sines, também no FMM, ou, ainda no festival, aqueloutro dos seus atuais parceiros de estrada, os Kasaï All Stars. Intenso, esgotante. Talvez o melhor concerto que alguma vez o FMM acolheu.
Soube-se, em Sines, que anda a ser gravado um DVD com material resultante destes espetáculos. Vicent Kenis, o ex-Honeymoon Killers que descobriu para a Crammed e para o mundo estes músicos das ruas de Kinshassa e que com eles tem subido ao palco nesta espécie de união entre mundos diferentes, tão cara a um sítio como o Castelo de Sines, onde viveu Vasco da Gama, planeia ainda entrar com esta formação do espetáculo em estúdio, e daí produzir novo disco, mas talvez não venha a haver agenda para tal.

2. MÁRIO LÚCIO (Cabo Verde)



É engraçado saber -- foi o próprio que o disse -- que Mário Lúcio, na véspera do concerto, vestiu a pele de ministro da cultura de Cabo Verde, para discutir o "Estado da Nação" no parlamento do seu país. Um dia, o estado da sua nação. No outro, o mundo todo (mais palavras saídas da sua boca) que se aglomerava em Sines a dançar à sua música. Tivemos em palco alguém que sabe muito bem o que faz. São muitos anos de estrada, de como saber encher um palco, de como saber pôr um público em delírio. E o que temos ali não é apenas o que se pode ouvir nos discos. Há um artista e um grupo que o acompanha que se transformam, que vão além de Cabo Verde, que celebram a África sub-sariana em todo o seu esplendor. A ele ficam-lhe bem estas palavras, ditas perto do final: "Sines devia mudar de nome, para... Sinergia."
Devia ter sido o Mário Lúcio a festejar o fim dos concertos no castelo com o tradicional fogo-de-artifício.

3. MERCEDES PEÓN (Galiza)



Mercedes é a mulher mais musical, mais bonita, mais corajosa, mais desconcertante, mais arrepiante e mais comovente que pisou o palco do castelo nos últimos anos. Arrepia-nos a pele dos braços quando leva a sua voz para planos a que não estamos habituados, mareja-nos os olhos quando fala como fala das tradições em que pega para "desarranxar" ou da política que abraça com coragem. Foi a única artista a solo nesta edição do FMM, mas é de uma dimensão mais do que suficiente para encher todo o palco.

4. VISHWA MOHAN BHATT & THE DIVANA ENSEMBLE "DESERT SLIDE" (Índia)



Qualquer que seja a origem, qualquer que seja o credo, qualquer que seja a raça, há todo um mundo unido pela música das sete notas... Disse-o, mais ou menos assim, o mestre Vishwa Mohan Bhatt algures a meio da interpretação irrepreensível da sua slide guitar modificada com cordas simpáticas, ao jeito de instrumentos indianos como a sitar. Como se não bastasse o virtuosismo do mestre, o grupo de músicos ciganos do Rajastão que o acompanhava deu mais uma lição sobre a diáspora da música, de como o canto do flamenco não é assim tão diferente destes antigos músicos dos rajás. Até uma espécie de prima das castanholas mediterrânicas estava lá para ajudar à festa. Fica para a memória de momentos singulares deste festival -- eu estou quase a chamar-lhe-ia epifanias -- aquele em que o mestre fazia ditados rítmicos cada vez mais rápidos para os seus companheiros de palco...

5. LE TRIO JOUBRAN (Palestina)



Como dizia antes do festival, ouvir um alaúde bem tocado já é inebriante. Ora, torna-se difícil dizer o que é ouvir três tipos a fazerem-no ao mesmo tempo e, ainda por cima, a manterem diálogos vertiginosos e frequentemente improvisados, talvez possíveis apenas a quem cresceu junto, como estes irmãos Joubran.

6. BERROGÜETTO (Galiza)



Festival de world music sem um grupo da Galiza não é um festival de world music. Ainda que este FMM não seja, e ainda bem, o típico festival de world music. Os Berrogüetto são, ainda hoje, e com as mudanças de formação ocorridas, uma das propostas mais interessantes. Conservadores em disco e em palco, é certo, mas com todos os ingredientes habituais que tornam a música tradicional da Galiza tão apaixonante.

7. SECRET CHIEFS 3 (EUA)



Quem pensar que Trey Spruance é um monstro intratável, bem pode tirar daí a ideia. Nos bastidores, abundava não só em simpatia e humildade, como em curiosidade pelo que havia sido estas 13 edições de festival. Sentiu-se até "estúpido" por tocar a seguir ao Trio Joubran, como se pode ouvir no vídeo, na "flash interview" dada ao Mário Dias. Em formato de quinteto, surpreendeu muita gente que não esperava a música pesada dos SC3 no festival. E poderia ter sido um espetáculo ainda melhor, não fosse o longo tempo que perdia entre cada tema, a afinar a guitarra, por exemplo, e que fazia arrefecer o público, já por si apanhado nas noites frias do primeiro fim de semana do FMM.

8. ANTÓNIO ZAMBUJO (Portugal)



Na abertura do festival, não se podia exigir mais. De repente, havia um sorriso estampado na cara de todos. E o António Zambujo é o culpado. Ali temos, sem tiques de copista e sem que aqui se leia uma colagem-excessiva-de-que-os-artistas-portugueses-nunca-gostam, o nosso Chico Buarque, título pronto a ser degladiado com o também legítimo proprietário do título, ainda que menos versátil que o Zambujo, JP Simões.

9. DE TANGOS Y JALEOS (Espanha)



Quando El Peregrino, o senhor que aparentava 70 ou mais anos de idade, se levantava para dançar, o público explodia de alegria.

10. EBO TAYLOR & AFROBEAT ACADEMY (Gana)



Por pouca paciência que haja já para tanto afrobeat, o estilo funciona quase sempre bem no palco do castelo. E com Ebo Taylor, um dos nomes grandes do highlife ganês, a festa foi enorme, a dança foi irresistível do princípio ao fim.

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