As páginas que se seguem começaram por ser umas croniquetas desemparelhadas que surgiram no Boletim da Associação José Afonso. Assim como eram assim continuam, libertas do espartilho que as comprimia. Reformuladas e ampliadas, prosseguidas depois por uma intenção de continuidade. Tal como foram afeiçoadas de início, mantêm, pois, a autonomia que as marcou, o mesmo é dizer o fraccionamento narrativo e discursivo que uns tantos grampos cingidos, colocados em linha de fractura, intentam corrigir.
Pedaços de memórias, do autor e alheias, palavras da própria pessoa esquadrinhada nestas linhas (trazidas a público por entrevistadores isentos, supõe-se, da pecha de infidelidade material de que não raro se queixou o entrevistado), testemunhos, excertos de cartas resgatadas do esquecimento em que dormiam, apontamentos laterais a propósito e não sei se a despropósito divagam por terrenos algumas vezes apenas confinantes àqueles por onde transitou o Zeca. Circunvagantes estas abordagens. Isto é, movem-se em aproximações ao centro sem realmente o atingirem -- objectivo a bem dizer inantigível: José Afonso, na sua verdadeira e complexa dimensão, apesar de ele se ter, e todos quantos com ele privaram talvez o terem, por um homem comum e simples. Comum foi-o, e do comum, quer dizer do colectivo ou da sua memória, extraiu a rara inspiração das palavras e dos sons. Simples igualmente o foi. No que de seu reservava na partilha das suas inquietudes. No gesto, no trato, no convívio. Mas desde quando um sujeito comum e simples, por idiossincrasia ou opção cultural, se apresenta como matéria fácil de indagar e de narrar?
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Biografá-lo, ainda que contra ele, quero dizer, contra a sua natural singeleza, a aversão à ribalta, a propensão a subalternizar o que empreendeu no campo criativo e interventor, é tarefa de si justificada. Mas trabalhosa, até por força da particularidade acabada de enunciar. Será necessário escavar por debaixo dessa atitude para se encontrar a pessoa e talvez a época que, à sua dimensão, espelhou e sobre a qual, queiramos ou não, actuou -- ele e todos quantos com ele estiveram nessa jornada de dar voz a quem a não tinha, embora a sua fosse porventura a mais autêntica e visível voz de quantas então se manifestaram.
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Em suma, uma visão própria (como poderia ser de outro modo?) expressa em abordagens provisórias, no sentido já sublinhado de que hão-de cruzar-se com outras representações do mesmo objecto. Subjectiva mas não preconceituosa. Isto é, procura não enveredar por enquadramentos redutores, não trajar a personagem no pronto-a-vestir das ideias feitas, sejam elas políticas, ideológicas ou quaisquer outras, em que ele, Zeca, nunca se abasteceu.
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