segunda-feira, 25 de agosto de 2003

Histórias da Musicnet. Parte 1: A marcha dos press releases

Já há algum tempo passou desde que deixei a Musicnet.pt. Creio também que já passou um ano desde que ela acabou, por isso sinto que posso falar à vontade deste tema. Alguns poderão ver naquilo que agora publico um crime de falta de lealdade profissional, ainda que póstuma, mas nesse campeonato dos valores acho que ainda tenho vantagem suficiente para não me preocupar com o que tenho para dizer. Outros, no entanto, poderão achar que estou a contar estas histórias tarde demais. Não me interessa.
Saí da Musicnet em Maio de 2002. O clima que estava instalado no Terravista era, conforme toda a gente sabia, bastante dramático. Não havia quaisquer perspectivas de futuro para aquele negócio. Mantinham-se os projectos que existiam a grande custo moral daqueles que os coordenavam. A piorar o cenário, as mudanças a nível de direcção do projecto global davam indícios de que tudo iria ser encaminhado para vias menos éticas e menos dignas de projectos como a Musicnet, o mais antigo orgão de comunicação social na Internet portuguesa (não falo apenas de música, falo do global). A mim calhou-me um director que vinha do departamento comercial da Rádio Cidade. Não me incomodava particularmente a forma incisiva e agressiva como ele queria tirar rendimento da Musicnet, porque, afinal, era aquilo que eu tinha exigido ao longo dos anos anteriores. Só assim a Musicnet poderia sobreviver. Incomodou-me mais saber que, de mãos dadas com aquela agressividade comercial, vinha um conjunto de ideias que eu apelidava de atropelos à ética jornalística, de atropelos ao respeito que tínhamos granjeado entre os leitores, de atropelos à imagem que a Musicnet, bem ou mal, havia conseguido instituir. Uma das ideias -- a pior delas -- era deixarmos de termos colaboradores para passarmos a servir de correia de transmissão aos press-releases dos eventuais novos "fornecedores de conteúdos": as editoras. Não pensem que aqui se pensava em diminuição drástica de custos, até porque o peso das remunerações dos colaboradores (entre os que eram pagos) nem representava muito na estrutura de custos do projecto. A ideia fantástica residia em conseguir obter receitas da parte dos "fornecedores de conteúdos". Ou seja, já não era apenas uma questão de publicar press-releases (tal como muitos orgãos hoje fazem, infelizmente), era ainda estar permeável à influência de fornecedores que pagavam para terem lá os seus conteúdos...
Houve mais motivos, mas só por estes -- ficar sem colaboradores e prosseguir um modelo de negócio sujo como o que estava na mesa -- teria que abandonar a Musicnet. Foi o que fiz, com grande pena, depois de mais de quatro anos cheios de boas histórias e de boa camaradagem. A Musicnet levou uma lavagem de cara -- diferente daquela que eu tinha proposto durante meses e que estava já a ser feita na altura de todos estes tumultos -- e continuou por mais algum tempo, a tentar prosseguir o fantástico novo modelo de negócio. Acabou.

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