Acabo de vir da Fábrica da Pólvora, do concerto do Kepa Junkera. Foi mais um óptimo concerto. Não vou falar muito sobre o Kepa, até porque fiquei um pouco incomodado (à falta de melhor termo) com a atitude um pouco irreconhecível dele nesta noite. O homem é um grande, grande músico. Não precisava de embarcar naquelas poses de show-man, de entertainer, a pedir palminhas e "laralas" do público. Este último já estava completamente rendido à forma como ele tocava a sua trikitixa (a concertina basca) e não havia qualquer necessidade de ser arrebitado por jogos de palmas agora à esquerda, agora à direita, agora ao centro, agora aqui, agora acolá. Faz isso quem não sabe envolver um público com a música. Não é o caso dele e da sua banda. E na sua banda há dois músicos incríveis que sempre me deixaram boquiaberto: Harkaitz Martinez e Igor Otxoa, os percussionistas da txalaparta, uma espécie de grande xilofone basco, composto por barrotes de madeira compridos. Nesta noite prestei atenção especial, durante todo o concerto, à forma como os dois tocavam. Dois músicos que tocam no mesmo instrumento uma frase musical comum a ambos, sem se atropelarem um ao outro e, por várias vezes, a uma velocidade estonteante. Não é o caso de estar um a marcar o ritmo e outro a fazer partes melódicas, ou de um fazer uma segunda voz do outro. Há uma melodia e um ritmo que são comuns aos dois, mas em que um toca o que o outro não toca. Imaginem o que seria dois guitarristas a fazer um único solo de guitarra. O primeiro a tocar uma nota e outro as duas seguintes, para depois voltar ao primeiro e assim sucessivamente. Já alguma vez viram uma coisa assim? Pois é isso exactamente que os dois bascos fazem na sua txalaparta. Não é impressionante, é "siamesco"!
Em jeito de nota de rodapé, vai daqui um protesto pelos preços do café da Fábrica da Pólvora -- o primeiro, não o bar junto ao palco. Um euro e meio por um café que sabe mal, que não é servido à mesa, que vem com colheres de plástico? Numa infraestrutura da Câmara Municipal de Oeiras? O sobrinho taxista do Isaltino passará por lá todas as semanas para conferir a caixa? Dava por mais bem empregue três ou quatro contos de reis para ver o Kepa Junkera do que um euro e meio por aquele café.
A Wire deste mês, que traz os Matmos na capa, conta com artigos sobre Erase Errata, Leafcutter John, Eric Glick Rieman, Kaffe Matthews, Borah Bergman, Mike Kelley e Rob Geesin. O David Byrne, que tem uma banda sonora nova para o filme "Young Adam", onde trabalhou com várias bandas escocesas, é posto à prova na jukebox invisível deste mês, ao passo que na secção dos discos, podem ler-se críticas a, entre outros, Kraftwerk (e falam muito bem do novo álbum), ao regresso do Robert Wyatt e ainda ao quarteto português de improvisada Assemblage (Ernesto Rodrigues, Guilherme Rodrigues, Manuel Mota e José Oliveira). Há ainda um artigo interessante sobre blogues de música. Para o mês que vem regressa o Tapper, em formato duplo (até que enfim... as Wires do ano passado traziam quase todas CDs; este ano, nem por isso...).
Prólogo. Não gosto de ver músicos a participarem em publicidade. Goste ou não do trabalho deles, a partir do momento em que autorizam o uso da sua arte para vender telemóveis, cervejas, sabonetes, bolachas de água e sal ou alguidares de plástico, deviam deixar de passar a ser chamados de músicos. Chamem-lhes fornecedores de música. Ou fornecedores de conteúdos musicais. Não músicos.
Andava eu entretido a ler o recomendável blogue
Surgiram em 1986, em Lisboa. A formação mais sólida, aquela que gravou o disco "Alma do Insecto", contava com Paulo Coelho (More República Masónica), Armando Teixeira (ex-Da Weasel, Bizarra Locomotiva, Balla, Bulllet, etc.) e Luís Paiva. A atitude dos Ik Mux era bastante inovadora para a altura, em Portugal. Um sintetizador, uma caixa de ritmos, uma guitarra e a voz de Paulo Coelho preenchiam os requisitos do que era na altura o chamado rock industrial, apanhando ainda a fase da experimentação dos novos meios tecnológicos ao serviço da música. Em 1991, se não me falha a memória, ganharam o primeiro lugar de um concurso patrocinado por uma rádio nacional e uma bebida norte-americana. Lembro-me relativamente bem dessa noite na Alameda D. Afonso Henriques. As restantes bandas finalistas eram paupérrimas, mas ainda assim não foi nada fácil aos Ik Mux conseguirem algum respeito do público que estava presente. Afinal, havia um tema chamado "Novo Estado Novo", onde estava samplada a voz de Salazar, o que provocou uma enorme confusão entre o público, a quem Paulo Coelho se dirigiu no final do tema: "esta é dedicada a todos aqueles que não compreendem uma ironia". Esse primeiro lugar possibilitou aos Ik Mux a gravação de um CD, que só viria a sair bastante tempo depois (um ano? dois anos?), numa altura em que o projecto estava já a acabar. Talvez por isso, o disco não tenha saído tão conseguido como se esperaria.



