terça-feira, 31 de agosto de 2010

Do, Sol, La menor, Fa - cabem aqui muitos milhares de milhões de dólares



(Obrigado, Petra.)

Arquivismo de concertos, pt. 2 - os portugueses mais vistos

Prosseguindo no que ontem foi aqui apresentado, eis...

OS PORTUGUESES MAIS VISTOS

Mão Morta - 44 vezes
Bypass - 18 vezes
Hipnótica e Pop Dell'Arte - 15 vezes
Anonima Nuvolari (*), Gaiteiros de Lisboa e Gatos do Telhado (**) - 11 vezes
Loosers e Caveira (***) - 10 vezes
10º More República Masónica - 9 vezes
11º Mécanosphère (****), Wraygunn e The Legendary Tiger Man (*****) - 7 vezes
14º Cool Hipnoise, D3Ö, Da Weasel, Dead Combo, Gala Drop, Oquestrada, Tina and The Top Ten e Vicious Five - 6 vezes

(*) Ok, eles são italianos, mas vivem e trabalham cá...
(**) Eram uma banda dos tempos do liceu
(***) Incluindo uma data de suporte a Damo Suzuki
(****) A mesma justificação dos Nuvolari
(*****) Incluindo uma actuação a meias com a Rita Redshoes

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Arquivismo de concertos, pt. 1 - os estrangeiros mais vistos

Não sei se foi a costela de arquivista ou a de coleccionista, não sei se foi o vício de formação e profissão de querer analisar informação em estado bruto como o arqueólogo que se diverte a limpar terra do chão com um pincel, se foi tão só a silly season que ainda aí está para durar ou a completa falta de noção do ridículo, mas lembrei-me, recentemente, de aventurar-me no projecto de tentar reconstruir o mais possível todo o percurso de concertos a que assisti desde que a memória e outras facilidades ao dispor me permitissem.

Experimentem. Chega a ser doentio, bastante mesmo, mas pode ser divertido quando se começa a abrir portas há muito fechadas nas divisões mais esconsas da nossa memória, ora quando encontramos bilhetes antigos, ora quando um amigo nos recorda aquela noite selvagem que suporíamos nunca mais esquecer (e, afinal, esquecemo-nos), ora quando encontramos t-shirts antigas na casa dos pais que nos remetem para aquele festival a que fomos no estádio de Alvalade (verídico), ora quando uma mera lembrança traz à memória meia-dúzia de outras mais. Para quem sofre com a memória perra, esta é uma boa forma de pô-la a fazer exercício.

É um trabalho que nunca ficará completo, tenho a certeza absoluta disso. Mas julgo que o nível de "reconstrução" a que cheguei já me é bastante satisfatório. Mais, nem para todos estes espectáculos me lembro da data, nem para muitos deles me lembrarei sequer de um pormenor que seja da actuação, mas são coisas inultrapassáveis. E se não quisermos fazer da visita a uma instituição de saúde mental um hábito, é melhor parar por aqui.

Pelas contas a que cheguei, assisti a, pelo menos, cerca de 1800 concertos (com os outros que ficam por lembrar, talvez chegue à casa dos dois milhares). Agora, o que tem piada para um gajo que gosta de analisar informação em estado bruto e daí tirar conclusões mais ou menos sérias (nem sempre) é ver coisas como o que se segue, que também ajudam a perceber muito da pessoa que escreve estas linhas:

OS ESTRANGEIROS MAIS VISTOS

Sonic Youth e Young Gods - 7 vezes
Felix Kubin e Panda Bear - 6 vezes
Liars, Six Organs of Admittance, Tindersticks e Nick Cave - 5 vezes
dEUS, Josephine Foster, Lamb, Lee 'Scratch' Perry, Mogwai, Pan Sonic e Yo La Tengo - 4 vezes
16º Alamaailman Vasarat, Animal Collective, Ben Harper, Chicks on Speed, Divine Comedy, Einstürzende Neubauten, godspeed you black emperor!, Goldfrapp, Kepa Junkera, Nova Huta, Plaid, Rokia Traoré, Shellac, Sigur Rós, The Parkinsons, Tinariwen, Tom Zé e Tortoise - 3 vezes

Em próximas ocasiões: os portugueses, as salas, etc.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Voyons! C'est bien presque le nouvel album de Neil Young!

“Le Noise” is complete. It is a solo record. Playbacks are happening now. Release date is September 28th. It will be available in Vinyl, CD and I-Tunes in the first edition, followed by Blu-Ray, and an APP for I-Phone and I-Pad a month or so later. The app will be free. It gives you an interactive album cover. Forgive my use of the word “album”. I am old school. Peace ny

Mensagem deixada há dias pelo Neil Young no facebook.
Diz o Tiny Mix Tapes que a produção coube a Daniel Lanois.

Hoje há...

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Gala Drop na Governors Island

Panda Bear tem uma data marcada para a Governors Island, aquele pedaço de terra abaixo da ponta Sul de Manhatan, e vai contar com os portugueses Gala Drop na primeira parte. E não só. Vai também haver concerto de Teengirl Fantasy (aos habituais aqui da casa, pu-lo numa "mixtape da casa" qualquer) e Dave Portner, o Avey Tare dos Animal Collective a pôr discos.
A data? 11 de Setembro...

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

E eis que...

...sete anos. 3h20 de 25 de Agosto. Há festa na moradia amarela. Sete anos, porra. Obrigado aos que por aqui vão passando.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Mais sobre o regresso às aulas

* Vampire Weekend no campo onde se torturam animais, em Lisboa, a 10 de Novembro, e no Coliseu do Porto, no dia seguinte. Preços: 24 a 30€, em Lisboa, e 25 a 30€, no Porto.

* Walkmen com "Lisbon" em Lisboa, no Coliseu dos Recreios, a 14 de Novembro.

* Efterklang no Muxicbox, a 19 de Novembro. Bilhetes a 12€.

* The Drums no Lux, a 11 de Novembro.

* MGMT naquele tal campo de chacina, a 18 de Dezembro.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Morreu Fernando Serpa (Ku de Judas)

Acabei de ver a notícia no Hoje Há Punk Rock no Liceu: faleceu há dias Fernando Serpa, um dos fundadores dos Ku de Judas, um dos grupos da cena punk de Alvalade dos anos 80.

domingo, 22 de agosto de 2010

Relato rápido de um sábado em Cem Soldos



A aldeia de Cem Soldos, em Tomar, é grande. Não chega ao tamanho de uma vila, mas quase. E tem vida. Claro que neste fim-de-semana até tem vida a mais, mas não é difícil de perceber que, pela quantidade de cafés e restaurantes ali existentes (há desde tascas como as que se querem numa aldeia a coisas mais modernaças com nomes como... "Casa das Ratas"), e ainda pelas excelentes estradas que a servem, é uma aldeia viva. E, apesar deste dinamismo aparente, moeda cujo reverso é normalmente a descaracterização urbana e paisagística que encontramos noutros locais semelhantes ao longo deste país, é uma aldeia ainda bonita. Junte-se a isso o facto de estar a um tirinho de Lisboa, Porto ou Coimbra, e temos as condições ideais para a realização de um festival, como este Bons Sons, que ali é organizado, dois a dois anos, desde 2006.

O festival cresceu muito, diz quem foi às edições anteriores. E percebe-se, quando neste fim-de-semana, que é a primeira edição paga (ainda que apenas uns meros seis euros por dia ou 10 pelo festival completo), o povo acorre aos milhares à aldeia. Há um lado menos bom nisto e que ontem me impediu de ver a Lula Pena e o Norberto Lobo na igreja, que encheu enquanto o diabo esfrega o olho. Faltou à organização lembrar-se, por exemplo, de estender o PA para as ruas ou até mesmo chegar à perfeição com o acrescento de écrans com transmissão de imagem. Mais tarde, também, tornou-se praticamente impossível ver os Diabo na Cruz no palco secundário, numa rua estreita da aldeia. Deu para ouvir, contudo.

E então, o que deu para ver? B Fachada, por exemplo. Foi uma actuação magnífica, que começou com um dos temas que ele vai incluir no álbum de Natal para crianças que está a preparar. E alguém que faz uma canção infantil em que o refrão é "Que se lixe o Pai Natal, que se lixe o Pai Natal" só pode ser boa pessoa. Foram tocados quase todos os temas de "Há Festa na Moradia" (pena que tenha faltado o próprio tema que dá o título ao EP) e outros de discos anteriores, com a boa disposição, o humor e o sarcasmo a roçar a arrogância que fazem parte do universo B Fachada. Mais tarde, os Diabo na Cruz, que tiveram novamente B Fachada em palco, lado a lado com o mentor Jorge Cruz, secção rítmica e teclado, deram a mostrar aos ignorantes (como eu) que já são um fenómeno bastante popular, com imensa gente a cantar todas as letras de cor. E são muito bons quando estão, por exemplo, no registo das polifonias populares portuguesas, mas espalham-se ao comprido por vezes, na opinião daqui, quando uma banalíssima secção rítmica os transforma numa banda de música ligeira, como se dizia antigamente, quando também eram frequentes estas bandas, com arranjos a arruinarem o talento de grandes vozes deste país nos anos 80 e 90. Até os Sitiados, o ponto de referência mais próximo dos Diabo na Cruz quando olhamos para trás, passaram por isso. E francamente não valia a pena assassinarem o "Lengalenga" dos Gaiteiros. Mais para o fim da noite ainda houve Dazkarieh, com um espectáculo muito aborrecido, e Terrakota, que já não vi por estar a caminho de Lisboa. E esta noite, quem quiser e puder, ainda vai a tempo de chegar para ver o grande nome desta edição: Fausto.

Daqui a dois anos, volta a haver motivos para ir Cem Soldos.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Um fim de tarde com o Kimi

Hoje há festa no Jardim das Esculturas do Museu do Chiado, com Kimi Djabaté, o segredo guineense de Lisboa que já começa, finalmente e felizmente, a não ser segredo para ninguém. O concerto, mais uma produção da Filho Único no Museu do Chiado, tem início marcado para as 19h30 e a entrada é livre.

Em Sines, este ano, foi mais ou menos assim (aqui foi com uma banda completa de suporte; hoje, no Museu do Chiado, o Kimi actuará a solo):



E talvez haja oportunidade para o vermos e ouvirmos a tocar no balafon:

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Vamos a Cem Soldos?

Pode não ter sido baptizado da melhor forma (Festival Bons Sons é uma designação horrível, francamente), apesar até de se realizar numa aldeia com um nome com o interesse diametralmente oposto (Cem Soldos, no concelho de Tomar), mas o que importa é que neste próximo fim-de-semana vai ali levar um bom conjunto de grupos e artistas (o Fausto! conseguiram arrastar o Fausto para um palco!), num ambiente rural que certamente ajudará muito à festa.

Entre sexta e sábado, o Festival Bons Sons (desculpem, mas argh!) leva a Cem Soldos:

Dia 20:
19h00 - Curtas em flagrante (cinema)
21h00 - Princezito (Cabo Verde)
22h30 - Dead Combo
00h00 - Diabo a Sete
01h30 - Melech Mechaya
03h00 - Nuno Coelho (DJ)

Dia 21:
17h00 - Lula Pena
18h00 - Norberto Lobo
19h00 - B Fachada
21h00 - Madmud (espectáculo de dança da Tânia Carvalho)
22h30 - Diabo na Cruz
00h00 - Dazkarieh
01h30 - Terrakota
03h00 - MissBoopsieCola (DJ)

Dia 22:
11h00 - Música para crianças
14h00 - Drama e Beiço
17h00 - Adufeiras de Monsanto
18h00 - Grupo de cantares alentejanos de Serpa
19h00 - Curtas em flagrante (cinema)
21h00 - Danças Ocultas
22h00 - Fausto
00h00 - BlackBambi

Os bilhetes custam seis e 10 euros, para um e três dias, respectivamente. Mais informações, como lá chegar, etc., em www.bonssons.com

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Eles estão de volta

E era francamente bom que aproveitassem esta segunda oportunidade para por cá passarem. "Grinderman 2" sai a 13 de Setembro. O (estupidamente magnífico) teledisco para o primeiro single foi realizado pelo já conhecido John Hillcoat:



E há uma versão diferente da que se pode escutar no álbum (ou no vídeo acima deixado) com um solo do Robert Fripp (SIM, O FRIPP COM OS GRINDERMAN) a entrar no tema tão bem como faca quente em manteiga. Vale bem a pena escutá-lo aqui.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Há uma festança enorme na moradia



Há também álbum novo do B Fachada, "Há Festa na Moradia". E é de ouvir várias vezes, senhores. Pode ser descarregado livremente no site da Mbari, a editora (www.mbarimusica.com), mas há também edição em vinilo amarelo, limitada a 500 exemplares e pronto a ser encomendado (se ainda houver) através da mesma fonte.

Uma das melhores canções do disco, aqui numa versão cantada a meias com quem dá nome ao título:

Reabertura de portas

Refeito de uma ausência prolongada e forçada, parte devida a trabalho (tentarei arranjar tempo para deixar aqui algumas impressões sobre a música e outros aspectos da cultura de Timor Leste), parte devida a férias (e ao sempre esgotante FMM), eis que surge (e urge) a vontade em reabrir as portas do tasco amarelo.

Enquanto se areja esta atmosfera bafienta daqui para fora, deixo-vos já com o cardápio para os meses que se seguem (lembram-se da secção "cardápio" do Blitz? - melhor nome de sempre para uma secção de agenda ou não?). Eis uma selecção caseira de alguns dos concertos da rentrée, naquilo a que também se chamava "o regresso às aulas":

* Há quase 20 anos que as Noites Ritual marcam o regresso das férias, com concertos de bandas portuguesas nos jardins do Palácio de Cristal do Porto. Este ano decorrem a 27 e 28 de Agosto, com OqueStrada, Anaquim, Diabo na Cruz, The Legendary Tigerman, Tiguana Bibles e outros.

* Ainda há mais tempo, outro marco incontornável do regresso é a festa do Avante!, que este ano vai ocupar a Quinta da Atalaia, no Seixal, entre 3 e 5 de Setembro. Aqui por estas bandas, destaca-se as presenças de Bunnyranch, Cacique'97, Dazkarieh e os projectos que António Chaínho e Janita Salomé ali vão levar. EPs a 19,50 agora, 29 depois.

* Leonard Cohen gostou, Leonard Cohen volta. Mais um concerto, agora a 10 Setembro, no Pavilhão Atlântico. Preços entre 30 e 75 euros.

* Uma das notícias mais interessantes dos últimos dias prende-se com o regresso aos palcos dos Atari Teenage Riot e com a passagem já agendada pelo Porto, para a nova sala do Hard Club, a 17 de Setembro.

* De regresso também, estão os brasileiros Haxixin. Rock de garagem no Maxime (23 de Setembro), no Alfabar de Leiria (24) e no Armazém do Chá (25).

* Mais regressos: Eels e Goldfrapp no Coliseu dos Recreios. Ele a 19 de Setembro, ela a 22.

* Já aqui tinha dado conta, mas nunca é de mais recordar que o islandês Jóhann Jóhannsson estreia-se (?) em palcos portugueses (Maria Matos, neste caso) a 28 de Setembro.

* Por falar no Maria Matos, há que não esquecer um dos principais eventos desta rentrée, com a presença dos alemães Faust naquela sala, a 6 de Outubro. Bilhetes a 15 euros (7,5 para sub-30). A ZDB, que produz o espectáculo, informa ainda que os Faust vão dar um workshop (para músicos e não músicos) no dia seguinte, nas instalações da galeria. A inscrição tem o preço de 15 euros.

* Estiveram cá em 1991, já fora do prazo de validade na opinião de alguns, e arrumaram as botas pouco depois. Em 2001 decidiram fazer o mesmo que outras quinhentas mil bandas dos anos 80, ou seja, voltaram a juntar-se para dar espectáculos por esse mundo fora. Os Psychedelic Furs vão voltar a Portugal, a 19 e 20 de Outubro, para concertos no Coliseu dos Recreios e no Sá da Bandeira, respectivamente.

* Com álbum novo, "Strange Weather, Isn't It?" (sai para a semana), os !!! vêm agitar o Lux e o Sá da Bandeira, a 9 e 10 de Novembro, respectivamente.


Esta é apenas uma pequena selecção feita à pressa e entre aquilo que já se conhece. Em breve, serão conhecidas mais novidades. É esperar.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Os três 10 em 10 do FMM 2010 (e outras coisas)

Foi o melhor Festival de Músicas do Mundo de Sines de sempre? Não tenho a resposta na ponta dos dedos, até porque a comparação com as edições de 2006 a 2009 não é honestamente possível, com a redução no número de dias de música ao vivo neste ano. Mas, em todo o caso, esta foi a edição que, nas minhas contas pessoais (sublinhe-se a subjectividade da coisa), teve mais concertos 10 em 10. Acredito que a expressão "10 em 10" seja suficientemente explícita (além de estupidamente redutora, eu sei). Suficientemente explícita mesmo para quem não esteja habituado a olhar aqui nestas páginas para aquilo que um psicanalista barato diria tratar-se de "uma manifestação de um desejo reprimido de integrar um júri de patinagem artística". Portanto, adiante. Deitando um olhar para o passado do FMM, é verdade que têm havido um número inacreditável de magníficas actuações (não admira que haja tanta gente a tratar o FMM como o "melhor festival do país"), mas aquilo a que eu chamo "10 em 10" verifica-se apenas, no máximo, uma vez por edição (ou nem isso). Lembro-me dos Black Uhuru em 2001, por exemplo, do Tom Zé em 2004, do Trilok Gurtu em 2006, do Cyro Baptista no ano passado. Este ano, houve três destes concertos mágicos. Não um, nem dois, mas três. E depois houve os outros, também... poderosos (para usar uma expressão muito em voga nos músicos do Congo/Zaire, desde há décadas).

O primeiro dos 10 em 10: Um casamento perfeito



("Primeiro" porque aconteceu na quinta-feira, enquanto os outros foram nos dias seguintes.) Quem imaginaria que a música de tradição europeia a que o bretão Jacky Molard se tem dedicado ao longo da carreira, e que já apresentou por duas outras ocasiões em Sines, casaria tão bem com a música do trio maliano de Founé Diarra? Quem é que é capaz de dizer, sem mais nem menos, que um prato de peixe e de carne, em simultâneo, se pode tornar uma maravilha da gastronomia? A este respeito, aliás, o António Pires dizia que "o gajo que inventou a carne de porco à alentejana deve ter tido uma experiência semelhante". E como é que dançamos isto? Com as pernas para a frente ou com o rabo espetado para trás? Estas eram as interrogações iniciais de muitos, certamente, mas não foram mesmo mais do que isso mesmo: iniciais. Rapidamente, todos atirámos os axiomas etnomusicológicos para trás das costas e abraçámos calorosamente aquela que foi uma das experiências mais incríveis de sempre no palco do castelo.
E, mesmo que este encontro não tenha sido realizado de propósito para o festival (já existe até um disco), está aqui também patente mais uma das inúmeras razões pelas quais, todos os anos, fico a contar os dias até à última semana de Julho: Sines enquanto forum mundial de músicas e tradições, Sines enquanto oficina da música moderna. Não mais nada assim por cá.

O segundo dos 10 em 10: A gaja do theremin e os judeus nova-iorquinos



Os Barbez, grupo de Nova Iorque com ligações à Tzadik de John Zorn, apareceram no FMM com toda a pinta de outsiders. O grupo de Dan Kaufman já por cá tinha passado para um concerto na ZDB, para um concerto mediano, mas agora, com formação alargada e com um som perfeito que permitiu a percepção ao detalhe das texturas e frases criadas em palco, misturando klezmer com rock de câmara ou jazz marginal, a lembrar bandas da editora Constellation, tudo foi diferente, para melhor. Muito melhor. Houve algo que se manteve, contudo: o papel central de Pamelia Kurstin na música do grupo. Nunca se viu em Sines alguém a "tocar" theremin, o estranho instrumento literalmente intocável que os russos desenvolveram nos anos 20 do século passado (e para o qual Lenine chegou a receber aulas), e a estreia coube, felizmente, a uma das suas mais incríveis intérpretes (vejam o vídeo para apanharem breves imagens que testemunham esta afirmação).
E os Barbez ofereceram ainda a deixa ideal para apresentar outra das razões pelas quais o FMM é tão particular: a abertura (e o bom gosto) da programação. Por esse país fora, por essa Europa fora, é muito frequente encontrar programadores de festivais de world music de olhos e ouvidos fechados para o que se passa fora daquela gaveta. Antes eram as músicas de tradição europeia, depois, com a globalização das tournées, vieram os africanos extra-PALOPs. E pouco mais do que isso. Festivais como o FMM e o MED Loulé vieram provar que se pode ir muito mais longe. (Já agora, e que tal alguma formação de Masada ou o próprio John Zorn numa próxima edição, hum?)

O terceiro dos 10 em 10: Uma máquina de dança e alegria chamada Bilili



E a última grande explosão (literalmente até, pois coube-lhes as honras de fogo de artifício com que o FMM todos os anos se despede do castelo) veio com os Staff Benda Bilili. O disco era estupendo, já se sabia. Mas que os Staff Benda Bilili conseguissem, mesmo que esquecidos ou ignorados todos os problemas físicos que os debilitam, multiplicar a um ponto impensável toda aquela energia para o palco com as suas rumbas diabólicas e fazer transpirar as gentes no castelo daquela forma insana, era algo que nem nas minhas perspectivas mais optimistas encontrava lugar.
Mais uma deixa para outra das razões para elogiar o FMM: estar sempre na linha da frente no que há de mais "quente" a surgir no meio. Foi assim quando trouxe cá os Taraf de Haïdouks, o Tom Zé, a Rokia Traoré, o casal Amadou & Mariam, os Konono nº1, o K'Naan, o Cordel do Fogo Encantado, entre tantos outros.

Mais -- muito mais, claro -- se passou nos palcos do FMM ao longo destes quatro dias:

A novidade dos concertos gratuitos no castelo ao fim da tarde
A aposta parece ter sido ganha. Ao fim da tarde, quando os raios de sol ainda afrontavam as muralhas do castelo, tinha-se um cenário bem bonito para se assistir, com o rabo sentado na palha e hortelã espalhadas, a actuações como as dos manos Salomé com os Cantadores de Redondo (que por várias vezes foi arrepiante), dos 34 Puñaladas (tango em guitarras clássicas, numa passagem por estas bandas muito mais bem conseguida que aquela de há cinco anos atrás, em Porto Covo) ou a do genial Kimi Djabaté (é mesmo tempo de as pessoas começarem a prestar-lhe atenção e este foi um passo importante).

Um festival de vozes
Começou com Vitorino e Janita Salomé (já disse que houve momentos arrepiantes, não já?), e prolongou-se no canto yoik de Wimme Saari (há mais de dez anos que ansiava por um concerto dele por cá e nunca imaginei que fosse tão bem recebido como foi ali em Sines, no palco da praia, ao fim da tarde, para uma música que se imagina nas montanhas, no frio), a voz quente de Alejandro Guyot, dos 34 Puñaladas, a voz de uma diva do flamenco (Lole Montoya) e, a mais impressionante, a mais esmagadora, a mais arrebatadora de todas, a voz incrível de Yasmim Levy, israelita que tem vindo a trabalhar em reportório de influência e tradição ora ladina (os judeus que habitavam a Península Ibérica até ao século XV), ora flamenca.

Os menos bons e os maus
Depois de Cui Jian, há dois anos, houve mais um azar com chineses, agora com a cantora Sa Dingding. Usar um ou outro instrumento tradicional num aparato de música ligeira com arranjos perfeitamente desinteressantes parece mais cenário de festival da Eurovisão.
Os Galaxy, de Timor Leste, já muito fazem, para aquilo que estes miúdos viveram enquanto cresceram, para o país jovem e onde tudo está por fazer em que vivem neste momento, o mesmo país em que, por diversas razões, as tradições musicais são muito pobres, quase inexistentes (mas não deixam de soar a uma banda de reggae e de metal da margem sul a dar um dos seus primeiros concertos num palco refundido da festa do Avante! -- e, dias após ter visitado aquele magnífico país, acreditem que me custa dizê-lo).
As Rubias del Norte, o outro projecto de Olivier Conan, que no ano passado ali trouxe os Chicha Libre, perdem-se numa estilização (a palavra roubo-a ao Rui Neves) demasiado plástica do que é o reportório latino que vieram reciclar. Se os Chicha Libre conseguiam fazer dessa mesma reciclagem um ponto forte (nesse caso, sobre as chichas peruanas), as Rubias deitam quase tudo a perder.


Agora, é arranjar forma de entreter o tempo enquanto se espera, por 51 semanas, pela próxima edição do FMM.