Quando há dois anos vi os Animal Collective no ATP de Minehead, na dupla atuação do festival em que eram os curadores, fiquei desiludido. Até prometia ao início. O Panda Bear na bateria e tudo o mais devolvia ao som do grupo um caráter orgânico, assim se costuma dizer, mas... Talvez porque os novos temas apresentados não fossem completamente apelativos (alguns deles viriam a aparecer no pobre "Centipede Hz", do ano passado), talvez porque a nova disposição do grupo, principalmente no que à posição de Panda Bear diz respeito, não estivesse ainda suficientemente bem treinada, havia ali uma sensação de algum falhanço a pairar no ar. Parecia que caía por terra o mito da banda americana mais importante do século XXI.
Mas eis que tive a sorte de poder revê-los hoje, num local magnífico: o Ancienne Belgique, em Bruxelas. Passaram dois anos e, mesmo que o alinhamento desta noite tenha sido pouco diferente, o resultado é substancialmente superior. Ao olharmos para um cuspidor de fogo, achamos piada. Se víssemos um dragão a soltar labaredas do focinho ficaríamos certamente mais contentes. Passe um pouco deste exagero e assim foi esta noite (ou este fim de tarde, que os concertos aqui começam cedo). Há temas do "Centipede Hz" que agora soam a fantasia ("Fireworks", "Rosie Oh", "Today's Supernatural" e "Applesauce", por exemplo, são agora esmagadores ao vivo, nestes novos arranjos). Há recuperações interessantes de temas mais ou menos recentes como a de
"I Think I Can", agora também muito diferente (e a subir diretamente para o meu punhado de temas preferidos, pelo menos nesta versão ao vivo) e, claro, dos sempiternos "Brother Sport" (agora numa versão disco-chunga da feira da terrinha, irresistível, irresistível, irresistível), "My Girls" (como dizer que está também muito diferente sem me repetir?) e, a encerrar, "What Would I Want? Sky" (mais uma vez, desfigurado em relação ao original).
Os Animal Collective são novamente uma banda. Com guitarras e tudo. As coisas rolam na quase perfeição, sendo que os erros, ou melhor, a forma como se lhes dá a volta é também fundamental neste espetáculo. Até nisso o grupo cresceu. Avey Tare parece mandar cada vez mais, ao ponto de atravessar o palco para ir dizer duas ou três a um distraído Deakin e depois voltar ao seu posto para cortar com um beat que surpreendeu a todos. Por falar em Deakin, aquele de que quase sempre nos esquecemos, transcendeu-se a cantar "Wide Eyed". Pareceu um verdadeiro Peter Gabriel. No que ao cenário diz respeito, os AC estão também surpreendentes. O palco foi transformado numa enorme boca monstruosa. Por todo o lado são projetadas as imagens psicadélicas, cheias de cor. Nos dentes da bocarra, umas almofadas brancas gigantescas colocadas em baixo e em cima, são projetadas as imagens, através da técnica do video-mapping. Madonna, vai buscar.
Pronto, despachemos isto para sublinhar, se é que não ficou explícito, que foi inesquecível e que temos de voltar a ter AC em palcos portugueses. SÃO A MELHOR BANDA AMERICANA DO MUNDO.
Antes dos AC, subiu ao palco a também norte-americana Laurel Halo, para meia hora com os olhos postos na maquinaria. Ganhou muito com a potência e a definição do PA da sala, fazendo aquecer as poucas pessoas que àquela hora ali estavam.
E o Ancienne Belgique? Que tem um português a dizer desta sala? Devo dizer que ir ao AB era um desejo de longa data. Na adolescência, quando trocava gravações de concertos das minhas bandas preferidas, nasceu um certo fetiche por algumas salas de concertos europeias mais notórias. O Paradiso de Amesterdão, o Electric Balroom de Londres e, entre outros, este AB de Bruxelas. A sala é enorme, mesmo que para estes concertos tenha sido reduzida, através de paineis, descendo a lotação máxima das 2000 para as 800 pessoas (enorme, mesmo assim, como se percebe). Há outras coisas curiosas por aqui. Às
modernices de que falava no outro dia, juntem mais algumas:
- Os concertos começam cedo e a horas. Nem mais um minuto, esteja quem estiver, pelo menos a avaliar pela pequena amostra desta noite. (Não serve isto de crítica às salas portuguesas. Bem sabemos porque nunca são respeitados os horários divulgados.)
- Há máquinas dispensadoras de... tampões protetores dos ouvidos. E, a avaliar pelo que ia vendo à minha volta, a procura é relevante. Talvez alguns dos miúdos não venham a ter as dificuldades que por vezes tenho em escutar as pessoas...
- Dentro do AB, a moeda não é o euro, mas sim as chapas que se trocam num balcão próprio ou nas várias máquinas dispensadoras (para cartões e tudo). Uma cerveja custa uma chapa e, surpresa, uma chapa custa... 2,5 euros. Para Bruxelas, é barato e é de fazer envergonhar a maioria das salas portuguesas (ainda que, sem querer entrar demasiado no campo da Economia, a culpa também seja em grande parte da nossa distribuição de rendimento, uma das mais desiguais da Europa).
- À saída, há diversos écrans montados nas paredes a indicar os horários dos comboios para a malta que sai de Bruxelas. Ah, civilização.