Eu nunca meti os pés no Rock Rendez Vous, admito. Até aos 16 anos, não cheguei a ter autorização dos pais para ir a concertos que acabavam quando o sol começava a nascer. Claro que, ao longo de todos estes anos, os meus ouvidos passaram a destilar inveja de tanto testemunho que ouvi, de tanto concerto gravado que escutei quase religiosamente: Mão Morta, Bourbounese Qualk, Crise Total, Emílio e a Tribo do Rum, João Peste & O Acidoxibordel, Ku de Judas, N.A.M., Ocaso Épico, Pop Dell'Arte, Xutos & Pontapés...
Com a experiência do Johnny Guitar, do qual me tornei um cliente assíduo, comecei a formar opinião em relação ao que devia ser um clube de rock. Não são regras, mas antes um conjunto de características que tornam estes espaços únicos e, ao mesmo tempo, tão importantes no universo cultural e social em que se inserem. Não tenho dúvida que o essencial dessas características terá ajudado a fazer nascer o mito do RRV e que, por outro lado, foi a ausência destas na segunda metade dos anos 90 que terá deixado perceber o quanto se fazia notar o encerramento do Johnny Guitar.
Primeiro, deve ter regularidade de programação, para que acabe por ser um poiso habitual para quem gosta de ver música ao vivo.
Segundo, convém que haja alguma personalidade na programação. Não quer isto dizer que não possa ser ecléctico. Tem de o ser. Mas não sem algum rigor, na tentativa de juntar todos os tipos de públicos possíveis. E, a bem da verdade, a avaliar pelos testemunhos de então, o RRV nem observava particularmente este ponto. Tudo o que havia, lá ia parar. Diz-se também que os públicos de então eram menos exigentes...
Terceiro, e talvez a mais importante das características, pelo menos no que diz respeito aos efeitos que produz, deve promover o convívio entre os amantes da música, os músicos, os jornalistas, os editores, os promotores, etc. Quantas bandas não terão nascido à volta de alguns copos de cerveja no RRV ou no Johnny? Ou, se não quisermos ir tão longe, quantas bandas não nasceram depois de fulano ter conhecido cicrano nos encontros regulares num daqueles espaços para verem esta ou aquela banda tocar? E publicações? E contactos para edição?
Quarto, e não menos importante, note-se, deve ter condições para sobreviver comercialmente.
Continuar com o mesmo discurso saudosista que tínhamos na segunda metade dos anos 90 (e ainda por alguns anos deste novo século), com alguma razão de ser -- não havia nada! -- é como que passar ao lado da vitrina da ZDB, na rua da Atalaia, e preferir ignorar o que ali se passa. Tal como diz o Nuno em relação aos outros tempos, ali também há "entusiasmo". Ali também há uma "programação regular". Ali também há um "público fiel". Ali também se está a assistir ao nascimento de muitas e diversas cenas, começando pelas bandas e projectos que a partir dali se formam, porque as pessoas interessadas se cruzam naquele espaço com regularidade, naquela imagem de ponto de encontro do rock que tantas vezes é referido para lembrar o RRV. O serviço que aquele espaço presta, enquanto anfitrião de todas estas vontades e de todos estes entusiasmos, é também igualmente determinante para o Portugal musical, para usar a expressão exagerada do Nuno, dos tempos que correm.
Diz o Nuno que em 10 anos de RRV houve 1500 concertos. Em dois anos e pouco mais de "zdbmüsique" já quase mil bandas ou artistas a solo passaram pela ZDB. Ignorar isto é como ficar a olhar para o autocarro que passou, quando acaba justamente de chegar outro já com as portas escancaradas.
Projectos como os Dead Combo, os Loosers, os CAVEIRA, os Vicious Five, os Bypass ou o Legendary Tigerman, entre muitos outros, são tão relevantes (ou deviam ser) para os tempos actuais como os Mão Morta ou os Pop Dell'Arte foram para os anos 80. Olhe-se também para o número, impensável até há uns anos atrás, de projectos internacionais, oriundos das cenas alternativas mais alternativamente mediáticas do momento, se assim se pode dizer, que tem aparecido por lá. E sem ser uma programação elitista, no pior sentido da palavra, como o preconceito que começa a surgir por aí parece indicar: de cantautores a autênticos destruidores de palco, da electrónica fria ao calor da música africana, entre muitas outras alternativas, respira-se um grande ecletismo por ali, sem se cair em demasia na facilidade.
Será que é pela diferença na dimensão física dos espaços? O RRV estava quase sempre vazio, dizem uma vez mais os testemunhos, principalmente se se tratava de bandas portuguesas, como acontecia nos concursos. Se se trata de uma questão de tamanho, tenho conhecimento de pelo menos três projectos mais ou menos encaminhados, na Grande Lisboa, por mão de três entidades diferentes. Vamos a ver se têm "público fiel" para os manter...
Não leves a mal, Nuno, mas esses exercícios de nostalgia podem ter contra-indicações... (e vê se colocas comentários no blogue)
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