segunda-feira, 1 de junho de 2015

100 de 1973, n.º 2, José Afonso



VENHAM MAIS CINCO
JOSÉ AFONSO (Portugal)
Edição original: Orfeu, Arnaldo Trindade & Cª
Produtor(es): José Niza
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"A formiga no carreiro vinha em sentido contrário, caiu ao Tejo ao pé de um septuagenário. Larpou, trepou às tábuas que flutuavam nas águas e do cimo de uma delas virou-se para o formigueiro: mudem de rumo, já lá vem outro carreiro."

Sim, o país iria mudar de rumo no ano seguinte. José Afonso vinha ajudando a erguer uma certa tensão pré-revolucionária, convocando pelo país inteiro os ânimos dos revoltados. O regime, que cada vez mais dificuldades teria em gerir a crescente sublevação trazida pelas artes populares, em particular pela música de Afonso e de outros, respondia com a prisão: em maio de 1973, o cantor era encerrado na prisão de Caxias, por onde ficou durante vinte dias. Aí, diz-se ter escrito várias das canções que compõem este álbum, como aquela que viria a ser o extraordinário poema de "Era um Redondo Vocábulo". No outono do mesmo ano, reuniu-se em Paris com José Mário Branco e quase duas dezenas de músicos franceses, para gravar o disco, que viria a ser lançado em Portugal no Natal seguinte.
Apesar de toda esta tensão, que poderia fazer regressar algum do imediatismo que as canções de José Afonso tinham tido em discos anteriores, "Venham Mais Cinco" não é um disco direto ou pragmático. Há letras que são de leitura direta, é certo, e que talvez por isso se tornariam banda sonora obrigatória da revolução, como a do próprio tema-título ou "A Formiga no Carreiro" (acima citada). Em todo o caso, José Afonso vinha, já desde os discos imediatamente anteriores, a trilhar com sabedoria novos caminhos de modernidade, que parecem impossíveis de terem encontrado eco favorável no atraso do país de então. Era como se a semente da educação, que Afonso tanto se empenhou a espalhar pelo país ao longo dos anos, estivesse agora a dar frutos. Portugal já podia acolher um disco como "Venham Mais Cinco", já podia acolher esta modernidade invulgar estampada nas letras, nas composições e nos arranjos. Era como se uma espécie de tropicalismo à portuguesa estivesse a nascer, pelas mãos do maior génio que as nossas músicas conheceram.

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