Recentemente, bateu-me à porta a saudade do Forum Sons. Bateu por duas vezes: na primeira, era a sensação de falta daquelas discussões à volta da música (e mais o que fosse); nos dias mais recentes, principalmente neste "dia seguinte" ao desaparecimento trágico da Tânia, era a nostalgia por um tempo em que a toda a hora surgia um novo amigo que nos trazia novas formas de pensar as coisas.
Porque o tempo já lá vai e porque haverá quem não saiba o que era o Forum Sons, as próximas 797 palavras são dedicadas a essas pessoas. As demais não precisam.
O Forum Sons surgiu por volta de 1997 ou 1998, a memória já não me ajuda, no então incipiente abraço às novas tecnologias por parte do jornal Público, e em particular do seu suplemento de música "Sons". Pequenos anúncios nas páginas do jornal lançavam um mote semanal e convidavam os leitores melómanos a participarem ativamente na construção daquele espaço de discussão, um fórum online.
Logo começou a aparecer gente interessante com coisas interessantes para partilhar naquelas páginas de design simples e de fundo azul, gente da qual ainda hoje me orgulho de ser amigo (e próximo, em alguns dos casos). Talvez valha a pena notar que a WWW em português ainda era coisa de um grupo mais ou menos reduzido de utilizadores, essencialmente estudantes da faculdade e nerds dos computadores. Nada que se pudesse assemelhar ao que temos agora, em que damos um pontapé num qualquer botão de uma rede social e damos de caras com o chefe do serviço, o primo que já não víamos desde o casamento, o gordo do liceu ou a senhora que nos tira as bicas da manhã. Talvez por isso, por sermos poucos e por sermos realmente interessados no tema, não havia ainda tanto espaço para a javardice popular que desde então veio crescendo até ao ponto que encontramos nos comentários de qualquer notícia publicada online.
Avançou o tempo e aumentou também a presença do Público (e do público) na internet. Aumentou também o número das pessoas que participavam no Forum Sons, o qual foi passando por várias lavagens de cara e pelo melhor apetrechamento técnico. Falava-se mais de música e de mais músicas. E também se falava de outras coisas. Afinal, era um universo em expansão de pessoas com interesses múltiplos.
Passaram cerca de quatro anos e alguém no Público mudou de ideias em relação ao projeto, o que não caiu no agrado daqueles que o amanhavam e que, em resposta, e como uma comunidade cigana, mudaram-se para outras paragens. Escrevi a esse propósito numa das minhas crónicas para o Diário Digital, que ainda se encontra online:
"Morreu o Forum Sons, Viva o Forum Sons!". Vieram iniciativas individuais que ainda duraram alguns anos, à qual lhes faltou capital e estratégia para poder gerir as eventuais potencialidades daquele negócio. Surgiram soluções gratuitas, por vezes mais do que uma em simultâneo, como que em linhagens paralelas de um multiverso. Mas a principal razão para o declínio do Forum Sons, foi, paradoxalmente, a humanização do mesmo. A determinada altura, já éramos todos muito amigos ou muito inimigos. A música ficava para segundo plano e tomava dianteira a javardice, que antes até tinha ajudado a tornar o Forum Sons um local atrativo, dificultando a entrada de gente aborrecida. Já não se conhecia novas músicas, já não se trocava discos, já não se discutia aquele mesmo tema batido de sempre, o estado da música portuguesa. A debandada deu-se e o Forum Sons foi ficando residente apenas na memória daqueles que o trabalharam.
Em todos aqueles anos de vida do Forum Sons, conhecia-se música nova e antiga que os tradicionais meios eram incapazes de dar a conhecer. Sabíamos desde a primeira hora quem vinha cá tocar e quando. Vendiam-se e trocavam-se discos. Faziam-se coletâneas coletivas. Nasciam programas de rádio. Nasciam associações (a Mula, por exemplo, que organizou o primeiro concerto de Howe Gelb por cá). Nasciam conhecimentos duradouros. Começavam-se relações (umas deram em casamento!). Combinavam-se autênticas excursões a festivais e concertos por esse país fora. Formavam-se bandas e coletivos de DJs. Recrutavam-se jornalistas e críticos. Ria-se, chorava-se (e muito se chorou na morte de um dos maiores instigadores do Forum Sons no Público, o Fernando Magalhães).
Tudo isto se passava num ambiente mais ou menos democrático, com gente de diferentes proveniências e diferentes motivações. No Forum Sons, participavam meros ouvintes, lado a lado com os músicos (muitos), os jornalistas (quase todos), os produtores de eventos, o Miguel Esteves Cardoso. Havia quem participasse sobre o mais profundo anonimato, só muitos anos depois revelado. Havia muitos que nem sequer participavam, estando porém atentos ao que ali se passava, como se o Forum Sons fosse um focus group de excelência.
Não sei se quero e se precisamos de outro Forum Sons como aquele(s), mas agrada-me sempre a ideia de uma praça pública onde se discuta, se troque e se fomente a música (e tudo, na verdade). Ainda há dias comentava com uma jornalista, a propósito dos 20 anos da ZDB, que uma das maiores virtudes da galeria ao longo dos tempos mais recentes foi o de providenciar uma espécie de ágora onde gente de interesses comuns ou tangentes – público, músicos, jornalistas, gente com vontade de fazer coisas, ... - se reunisse de copo na mão e música nos ouvidos. É do diálogo que nascem as coisas.