Em 1984, lembravam heróis passados e presentes das lutas pela integração racial no mundo.
Em 1984, alertavam o mundo para a fome em África.
Em 1986, tornavam-se uma das vozes mais importantes da Amnistia Internacional.
Em 1992, aliavam-se à Greenpeace pelo ambiente.
Em 1994, ridicularizavam os líderes mundiais que permitiam e fomentavam a guerra da Bósnia.
Em 1997, caricaturavam o peso emergente de referências capitalistas e consumistas na cultura popular.
Em 2000, ele aliava-se à campanha pelo perdão da dívida dos países do Terceiro Mundo.
Em 2001, lembravam Aung San Suu Kyi, Nobel da Paz e prisioneira política birmanesa até há pouco tempo.
Em 2002, ele fez campanha contra a SIDA em África.
Em 2005, estiveram em campanhas para ajudar as vítimas do furacão Katrina.
Em 2006, ele entrou na luta financeira contra a pobreza.
Em 2014? Em 2014, ajudam a vender telemóveis e afins para as classes média e alta.
Mas é mais do que isso.
Desde que se começou a discutir o declínio da indústria discográfica, mantenho a opinião de que o principal fator subjacente à crise nas vendas não é a pirataria, ainda que esta seja obviamente determinante. É a alteração dos hábitos de consumo, ou melhor, o surgimento e a intensa diversificação de novas necessidades junto da população mais jovem, aquela que antes sustentava a indústria.
Roupas caras, computadores e jogos, viagens de turismo, intercâmbios estudantis, concertos e festivais para todos os gostos, maior oferta na noite, e, claro, os telemóveis, dos equipamentos aos planos mensais de preços, para este e para aquele serviço.
Muitos destes "novos" bens e serviços tornam-se necessidade e ganham até a maior quota-parte do seu preço final através do ato publicitário, por mais que qualquer profissional de marketing nos venha dizer que a necessidade já lá estava à espera de ser acordada. E que seja, então, porque a conclusão não é radicalmente diferente.
Mais, muitos destes "novos" bens e serviços são eles próprios o suporte privilegiado para a afirmação da pirataria. Como se houvesse aqui um duplo ataque ao velho paradigma da indústria discográfica: tomam o lugar da música no orçamento mensal e ainda permitem que se partilhe e oiça música sem que os antigos agentes do negócio, incluindo os próprios autores, sejam daí remunerados.
E quem tem ajudado a vender estes bens e serviços, quem tem ajudado a diversificar o destino dos orçamentos (cada vez mais magros nesta altura de crise geral) dos jovens? A própria música.
A novidade é que já não são pequenas bandas, daquelas que precisam de exposição e dinheiro para o arranque, como quando os Dandy Warhols plagiavam os Specials nos anos 90 num dos maiores sucessos mundiais da publicidade. Agora é uma das maiores bandas de sempre, aquela para quem aliás parece ter sido cunhada a expressão "a maior banda do mundo", aquela que era conhecida pelos seus atos de filantropia e de ativismo social e político.
No reino das metáforas, o novo álbum dos U2 é a pedra da lápide que faltava.