Thurston Moore nunca deixou de ser este miúdo empertigado, que muitos ainda tentam imitar (sem sucesso). Prefiro pensar que não reparamos nisso porque ele já passou dos 50. Afinal, o Neil Young já vai nos 66, o Tom Zé nos 75... e continuam a rockar tanto ou mais. Não será porque as rugas que lhe caem pelo rosto abaixo se escondam nos esgares que faz quando puxa a voz uma oitava acima do que é normal. Algo estaria completamente errado em tudo isto se a idade e as rugas de quem pisa um palco nos levasse a tomar de outros ângulos de visão aquilo que nos é partilhado ao vivo. Prefiro então pensar que é justamente porque somos levados rapidamente a esquecer tais detalhes, com toda a naturalidade deste mundo, e a julgá-lo como o tal miúdo empertigado (e sobredotado) que ali aparece com a sua nova banda. Miúdo que dizia, entre as muitas ocasiões em que se dirigiu ao público que a banda e o próximo álbum se chamariam Chelsea Light Moving, o nome da empresa de mudanças que o compositor Philip Glass criou nos anos 50 para garantir o rendimento que a música não lhe dava (e por onde passou também outro minimalista dos grandes, Steve Reich). Foram muitas, aliás, as ocasiões em que Moore trocou palavras com o público, atirou piadas, pediu e ofereceu cerveja. Uma surpresa nesta noite. Já vi Sonic Youth ao vivo mais de uma meia dúzia de vezes e raramente o vi usar o microfone para outra coisa que não fosse cantar ou lançar o mote inicial "We're Sonic Youth and we come from New York City". Parece que o miúdo ficou (ou voltou a ficar) apaixonado por Lisboa e que cá voltará para o fim do ano, para passar algum tempo de qualidade (alguém lhe faça um arranjinho com uma portuguesa!).
O espetáculo íntimo de ontem -- para pouco mais de 150 pessoas no aquário da ZDB, apenas sócios da galeria -- foi dividido em duas partes. Na primeira, a banda atacou números do próximo álbum, que já vão num estado além do bruto, ainda que ali faltem, esperando-se que seja essa a ideia, as vozes. O mais provável é que não voltemos a ter um álbum novo de Sonic Youth, mas a avaliar por esta amostra de ontem, aquilo que habitualmente esperávamos deles, ou pelo menos naquelas composições creditadas a Moore, vamos facilmente encontrar neste tal de "Chelsea Light Moving". Na segunda parte, para a qual Moore havia prometido "oldies", a banda pôs-se a desfilar tema de "Psychic Hearts", disco que já leva com quase 20 anos em cima: "Feathers", "Cindy (Rotten Tanx)", "Pretty Bad", "See-Through Playmate", "Ono Soul" (uma versão magistralmente intercalada com a torrente de guitarras distorcidas e em feedback a que já estávamos habituados nos SY, e a que a própria banda chamava "hurricane"), "Staring Statues". E ainda houve muito mais, de outros discos. Não houve guitarra acústica, como os últimos álbuns a solo de Moore davam a entender que pudesse acontecer. Ao longo de toda a noite, Thurston Moore empunhou sempre a sua jazzmaster, em duelo com a distorção alta da guitarra de Keith Wood. O violino de Samara Lubelski encaixou-se sempre muito bem e a bateria de John Moloney esteve, na maior parte das ocasiões, escondida atrás do barulho das guitarras e deu até para sentir vontade de ali ter o Steve Shelley. Foi talvez o único defeito a apontar à noite de ontem.
Descobri esta semana que há uma corrente na arquitetura ocidental do século XX designada por "brutalismo", o que me oferece o pretexto científico ideal para terminar com uma frase outrora banal nestas coisas da música: foi BRUTAL.
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